Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2024

Home Edson Bündchen Amanhã, haverá de ser outro dia

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Metade do país perderá a eleição do próximo dia 30.10. Metade do país está chocada com a existência da outra parte e com a constatação de quão grande ela é. Os lados mais extremados não se toleram, cada qual com seus motivos e “verdades”. Poucos se dispõem a ouvir outras versões que não aquelas com as quais estão alinhados, muitos a ponto de suprimirem o diálogo e qualquer tipo de entendimento. Milhões de brasileiros estão com os nervos à flor da pele, fomentando não apenas o medo como arma, mas apelando para narrativas fantasiosas, ambas desenhando cenários tenebrosos para o Brasil, caso percam as eleições. Com esse ambiente como pano de fundo pós-eleitoral, não será uma tarefa fácil reconstruir as pontes de convivência agora dinamitadas. Entretanto, sem um pacto de reconciliação que permita a governabilidade do País, todos perderão. É por isso que se torna tão premente que as lideranças não contaminadas pela divisão que hoje experimentamos comecem a pensar no dia de amanhã, não com um olhar condescendente, tampouco ilusório, mas inspirado num projeto de pacificação nacional, no qual os brasileiros possam sonhar com um País com menos intolerância, menos ódio, mais solidariedade, mais diálogo e mais desenvolvimento econômico e social.

Um dos exemplos de reconciliação nacional vem do outro lado do atlântico. Muito lembrado em momentos de crise, o conhecido Pacto de Moncloa foi um acordo celebrado em 25 de outubro de 1977, no Palácio de La Moncloa, sede do governo espanhol, em Madri. O pacto de governabilidade previsto no acordo envolvia três objetivos centrais: político, econômico e social. O acordo mais importante foi o político, pois permitiu que as diversas correntes partidárias estivessem à mesa, sob a articulação do Rei Juan Carlos, fiador da volta da democracia àquele país. Sindicatos e associações patronais também tiveram papel importante para o sucesso da iniciativa de pacificação da Espanha, buscando formas de garantir a democracia e erguer barreiras à volta do autoritarismo, após 35 anos de governo do ditador Franco. As novas brisas dos ideais de liberdade política e liberalismo econômico que permitiram à Espanha fugir do fascismo franquista e tornar aquele país um modelo de democracia, servem hoje de exemplo ao mundo de que acordos são necessários, sobretudo para aquelas sociedades que passaram pelo trauma do autoritarismo ou que se encontram segregadas politicamente como a nossa.

Mesmo que a nossa realidade não guarde paralelo direto com a situação que marcou a Espanha de 1977, não é descabido conceber que devemos buscar inspiração no arcabouço que delineou um novo tempo para aquele país europeu. A primeira providência seria esperar do Presidente que emergirá das urnas no próximo dia 30.10.2022, a mesma disposição, coragem e capacidade de diálogo dos líderes espanhóis para superar a divisão política grave que nos acomete. Após a redemocratização em 1985, passamos por várias turbulências, mas nenhuma capaz de colocar em risco a democracia que se firmava ano após ano. Nosso arcabouço jurídico-institucional sempre suportou as turbulências de uma nem sempre tranquila convivência entre os poderes. A natural tensão que marca a dialética democrática, contudo, não mais navega em águas tranquilas, e é nesse contexto incerto que nosso pacto deverá ser construído.

Certamente, uma das medidas mais urgentes para 2023 é restabelecer o diálogo dentro de um novo pacto de convivência, no qual quem pensa diferente seja tratado com respeito, um Brasil com menos ódio e mais solidariedade, e com uma sociedade plural que consiga se expressar em toda a sua plenitude. Nossas lideranças terão que ser capazes também de criar mecanismos permanentes de combate à fome e à miséria, pois não há democracia sem justiça social. Também é preciso definir claramente que tipo de Estado teremos junto à economia e distensionar a relação com os poderes legislativo e judiciário, criando as condições, a exemplo da Espanha, para um novo ciclo virtuoso, democrático e do tamanho de nossas justas ambições para este milênio.

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