Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 26 de dezembro de 2021
Há apenas um ano, a pesquisadora britânica Anna Blakney trabalhava em um campo da ciência pouco conhecido do público em geral, e bastante especializado. Poucas pessoas fora do meio científico tinham ouvido falar do tipo de pesquisa que ela realizava no seu laboratório em Londres: o desenvolvimento de vacinas de RNA.
Quando Blakney começou em 2016 seu PhD na universidade Imperial College, em Londres, “muitas pessoas duvidavam que a vacina com uso de RNA pudesse funcionar”, diz ela. Em 2019, uma palestra oferecida por Blakney recebeu algumas dezenas de pessoas.
Agora, “todo o campo de (uso de tecnologia com) RNA está explodindo. É uma grande mudança na medicina”, afirma a pesquisadora. Professora assistente na British Columbia University, no Canadá, Blakney agora tem mais de 250 mil seguidores na plataforma de redes sociais TikTok e mais de 3,7 milhões de “curtidas” nesta rede.
Ela diz que estava no “lugar certo e na hora certa” para fazer parte de um progresso nas pesquisas em uma velocidade muito acima do normal. Devido à pandemia de coronavírus, muitas pessoas ouviram falar e receberam vacinas de RNA da Pfizer/BioNTech ou da Moderna.
Com o progresso rápido da tecnologia devido ao grande investimento feito por causa da pandemia, muitas dúvidas e hipóteses para investigação surgiram: as vacinas de RNA poderiam ajudar a curar certos tipos de câncer, HIV, doenças tropicais (como malária)? Elas poderiam ajudar a criar uma “imunidade sobre-humana”?
Códigos
O ácido ribonucléico mensageiro, ou RNA, é uma molécula em formato de fita que carrega o código genético do DNA para a produção de proteínas em uma célula. Diferente do DNA, que é composto por uma fita dupla de códigos (formando a famosa hélice), o RNA é composto por uma fita simples.
Sem o RNA, seu código genético não seria usado, proteínas não seriam produzidas e seu corpo não funcionaria. Em uma metáfora simples, se o DNA fosse um cartão de banco, o RNA seria o leitor do cartão.
Quando um vírus está dentro de nossas células, ele libera seu próprio RNA, enganando nossas células sequestradas para que produzam cópias do vírus, na forma de proteínas virais, que comprometem nosso sistema imunológico.
As vacinas tradicionais funcionam injetando proteínas virais inativadas chamadas antígenos, que estimulam o sistema imunológico do corpo a reconhecer o vírus quando ele tenta infectar o corpo.
A genialidade das vacinas de RNA é que não é preciso injetar os antígenos: o que essas vacinas fazem é usar a sequência genética ou “código” do antígeno traduzido em RNA, para provocar uma resposta do sistema imune.
Depois, o RNA artificial desaparece, destruído pelas defesas naturais do corpo — incluindo as enzimas que o decompõem, deixando-nos apenas com os anticorpos.
Solução?
Tratamentos para doenças tropicais estão sendo explorados. A Moderna está perto da fase dois (de um total de três) dos ensaios clínicos com vacinas de mRNA para zika e chicungunha. São doenças consideradas negligenciadas por afetar populações de países mais pobres, não recebendo verbas para pesquisa e outros investimentos necessários.
A velocidade de produção e o custo das vacinas de mRNA podem driblar as barreiras atuais que fazem destas doenças negligenciadas. Mas talvez a próxima vacina de mRNA a chegar a nós seja contra um inimigo mais conhecido: a gripe. Os vírus responsáveis por ela causam entre 290 mil e 650 mil mortes anualmente em todo o mundo.
Esses avanços novamente podem chegar no momento certo: Paul Hunter, professor da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, e também consultor da OMS, diz que, em alguns países, epidemias de influenza podem causar mais mortes do que a covid-19.
Várias empresas farmacêuticas também estão investindo em vacinas de mRNA como tratamento para o câncer. “As células cancerosas costumam ter certos marcadores em sua superfície que o resto das células no corpo não têm”, explica Blakney.
“Você pode treinar o sistema imunológico para reconhecer e matar essas células, assim como você pode treinar seu sistema imunológico para reconhecer e matar um vírus. É a mesma ideia, basta descobrir quais proteínas estão na superfície das células tumorais e usá-las como uma vacina.”
A ideia de terapias de mRNA individualizadas para câncer tem sido tentadora há anos, na qual propõe-se que vacinas personalizadas sejam entregues a cada paciente. “Um tumor é removido, sequenciado, você observa o que está na superfície e, então, uma vacina é feita especificamente para você”, exemplifica a pesquisadora.
Embora não haja ainda ensaios clínicos testando isso, há quem veja também na tecnologia do mRNA a possibilidade de driblar a resistência aos antibióticos.
“Potencialmente, você poderia imaginar a produção de uma vacina contra um antígeno bacteriano como o C. difficile ou contra alguns (patógenos) que são realmente difíceis de tratar”, diz Blakney.
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