Sábado, 28 de Dezembro de 2024

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O conhecido fenômeno das bolhas na internet retrata bem a forte tendência de fugirmos do confronto, especialmente de ideias. É mais cômodo dialogar com quem pensa parecido conosco, sobretudo quando os assuntos são os tradicionalmente mais sensíveis, como moralidade, política e religião. Mas por que as pessoas são segregadas por esses assuntos, a ponto de cancelarem amizades e buscarem o conforto de ouvir somente o eco de suas próprias vozes? Jonathan Haidt, instigado por essa questão, embrenhou-se num trabalho de fôlego e muito talento, escrevendo “A Mente Moralista”, uma obra que, na crítica do The New York Times Books Rewiew, é um marco na contribuição da compreensão da humanidade. O assunto ganha destaque e atualidade devido ao crescente clima de polarização política no mundo. Os conceitos “esquerda” e “direita”, mesmo cada vez menos capazes de agasalhar os matizes das preferências, usos e costumes modernos, ainda são uma forma aceita para delimitar, pelos menos em suas características mais pronunciadas, de que lado do espectro político nos situamos. Nesse contexto, a psicologia moral é a responsável por deslindar os meandros dos comportamentos hoje observados, dos conflitos, da eterna segregação e da necessária cooperação para superar e criar um acordo possível. Haidt assinala, de modo inovador, que os julgamentos morais não surgem da razão, mas das emoções, e essa conclusão nos permite entender um pouco melhor dos motivos para que tantas tensões, hoje grandemente espelhadas nas redes sociais, exacerbem os traços de incompreensão e intolerância de forma quase insuportável.

O apelo por mais pluralidade, seja de pensamentos, formas de relacionamento e interações pessoais, apesar de pertinente, não tem recebido a aceitação que deveria. Há uma nítida preferência, nos momentos em que a polêmica se instala, em buscar refúgio num dos extremos em disputa, geralmente atribuindo aos que pregam mais parcimônia e diálogo, alcunhas pouco lisonjeiras, comumente associadas à indecisão, ingenuidade e até indolência. Em tempos de intolerância acentuada, parece que colocar “panos quentes” deixou de ser uma virtude de contenção e equilíbrio. Essa preferência pelo belicoso, pelo choque e pela defrontação, muitas vezes ostensiva, não deve ser um destino inevitável, nem fazer capitular o nobre interesse em trazer elementos de dissuasão aos ânimos mais exaltados em favor do diálogo e da empatia.

Um caminho para um acordo possível, com a distensão progressiva das índoles em choque, é jogar luzes sobre o tema, trazê-lo ao palco e não escamoteá-lo. É preciso destrinchar seus elementos constitutivos. É necessário também abrir a caixa de pandora da intolerância, esmiuçar-la, dissecá-la, até que emerja um quadro mais promissor, mesmo que ainda incompleto. Para Haidt, a solução é alargar aquilo que ele denomina de alicerces morais, expandindo o paladar, ampliando os níveis de compreensão, através do enriquecimento de nossas papilas gustativas morais. Há, é fato, bem mais cores e nuances nos comportamentos morais do que podemos supor. Convém lembrar que expandindo a análise para além do dano e da justiça, com o acréscimo de uma abordagem pluralista, nossa capacidade de interação empática tende a encorpar, aprimorando nossos julgamentos morais e trazendo-nos para uma zona de compreensão e tolerância que nos afaste das franjas radicais. Apesar de atraente por sua simplicidade, os extremos do espectro político pouco contribuem para o enriquecimento do debate e a construção cooperativa de entendimento e acordo. Ao contrário, a segregação em bolhas autossuficientes, sedimenta o rancor, o ressentimento e a intolerância, uma vez desprovida do combate dialético, do contraditório e do pensamento alternativo. Uma sociedade justa não será edificada sob princípios e critérios intolerantes. Ampliar o nosso repertório moral, incorporando uma visão mais humanizada e generosa dos outros pode ser um bom começo para que não padeçamos enclausurados em nossas bolhas existenciais.

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