Sexta-feira, 22 de Novembro de 2024

Home Comportamento “Bookishness”: entenda por que a cultura digital estimulou o fetiche pelo livro físico

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Contrariando previsões, o livro físico chegou aos anos 2020 como um objeto de desejo. E de fetiche. Aqueles que, no início do século XXI, previram o impresso sendo engolido por e-books e outros formatos eletrônicos se surpreenderam com o status alcançado por ele hoje em dia. Capas cada vez mais elaboradas e coloridas inundam posts em redes sociais.

Editoras apostam em edições mais luxuosas e repletas de mimos (pôsteres, capítulos extras etc.). As shelfies (selfies das estantes) estão em alta. Desafios de leituras são transmitidos em tempo real na internet. O tsundoku — termo japonês para definir quem empilha títulos novos mesmo sabendo que não poderá lê-los — é um fenômeno entre os mais jovens (o tema tem 5,3 milhões de visualizações no TikTok).

No caso, o bom e velho livro não sobreviveu apesar da cultura digital, mas ganhou novo culto por causa dela. Professora de literatura comparada e fundadora de um grupo de pesquisa em humanidades digitais na Universidade Estadual de San Diego (EUA), a americana Jessica Pressman encontrou até uma palavra para explicar essa virada. É o bookishness —algo como “livresco”, “livroso” ou até mesmo por “livrice” em português. Em seu ensaio “Bookishness: Loving books in a digital age”, publicado recentemente nos Estados Unidos e ainda sem previsão de lançamento no Brasil, a pesquisadora defende a tese de que, na era dos bits, o amor pelos livros físicos floresceu como uma nova identidade. Isso vem transformando não só a forma como eles são produzidos, mas também como são expostos (em vitrines de lojas e posts de redes sociais) e até mesmo como são escritos, abrindo caminho para ousadas experimentações literárias, gráficas e editoriais.

“Nessa era de e-readers e PDFs, o livro físico atingiu um status bastante novo”, diz Pressman, em entrevista por e-mail. “Basicamente, estamos amando os livros como coisas, porque temos outras formas de ler e compartilhar informações. Livros são parte vital da transmídia e da atual cultura participativa. Esse fenômeno tem gerado produtos criativos, que são muitas vezes divertidos e kitsch, e que não podem ser facilmente reproduzidos em formatos digitais. Há desde uma literatura experimental que usa suas páginas de maneira inovadora (com imagens, design e recortes) a livros criados para armazenar perfume!”

Bem na foto

O fetiche pelos livros pode muitas vezes reduzi-los a um mero objeto vazio. Depois que o Zoom e as lives passaram a mostrar a decoração das nossas casas para o resto do mundo, uma estante impressionável — por sua aparência ou por sua consistência — ganhou mais importância. Tanto que a cada dia surgem versões mais sofisticadas do chamado “livro a metro” — a prática de quem compra edições em grande volumes apenas para enfeitar o ambiente.

Este ano, a influenciadora francesa Maddy Burciaga (com três milhões de seguidores no Instagram) causou polêmica ao recomendar que aspirantes a celebridade digital comprassem livros falsos sobre Coco Chanel e Yves Saint-Laurent para fazer cenografia em suas fotos. Por um terço do preço das edições reais, podiam levar apenas as capas dos títulos, sem nenhum texto dentro. “Sabíamos que tudo na vida dessas pessoas (influenciadores) é fake… mas até os livros?”, tuitou alguém indignado com a superficialidade da iniciativa.

O caso pode soar um tanto extremo e caricato, mas as editoras sabem que o “fator selfie” é hoje determinante na compra de um livro. De acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 15% dos adultos compram um livro pela capa (o número dobra entre as crianças). Antigamente, a missão dos designers era fazer essa capa se destacar nas livrarias. Agora, ela precisa também ser instagramável.

A Galera Record, por exemplo, passou a apostar em designs que chamam a atenção nas redes sociais. O queridinho da vez é o efeito hotstamping holográfico, que dá um brilho metalizado às capas de seus lançamentos. Por outro lado, outros acabamentos mais caros, como aquele verniz que arrasava corações no passado, foram descartados porque só funcionam nas lojas físicas.

Sexy

Autor de livros como “A moda imita a vida — Como construir uma marca de moda”, o consultor de marketing André Carvalhal acredita que a lógica de compartilhamento das redes se tornou uma aliada do livro físico. Ele cita o caso de “Torto arado”, o título brasileiro mais vendido de 2021, que ganhou diversos prêmios e críticas elogiosas, mas só se tornou um fenômeno comercial depois que celebridades passaram a compartilhar selfies com o livro na mão. A própria capa do livro se tornou um assunto nas redes sociais, deixando-o sempre em evidência.

Carvalhal credita parte do sucesso de seus próprios livros ao apelo visual deles. O autor é categórico: hoje, para despertar o desejo de consumo, um livro precisa ser “sexy”.

“A era do digital veio ao encontro do que eu fazia, porque meus livros sempre foram instagramáveis, mesmo na época em que tudo era offline”, ele lembra. “E não penso só na capa. Na parte de dentro também, a cada quatro frases coloco uma em fonte grande. Assim dá para ler melhor quando a página é fotografada. Fui criando uma identidade visual. Hoje, quando alguém vê uma foto, já sabe que é de um livro meu.”

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