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Por Redação Rádio Pampa | 22 de dezembro de 2021
A felicidade se tornou “egoísta”, se converteu em “um negócio”, “um produto de consumo”, um ideal que nos deixa constantemente insatisfeitos, afirma o psicólogo Edgar Cabanas, professor e pesquisador da Universidade Camilo José Cela, em Madrid, e do Centro de História das Emoções do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, em Berlim.
Em parceria com a socióloga Eva Illouz, Cabanas escreveu o livro A Ditadura da Felicidade: Como a Ciência e a Indústria da Felicidade Controlam Nossas Vidas. No livro, os autores buscam analisar o impacto do “discurso da felicidade” na sociedade e abordam o tema com “ceticismo e olhar crítico”, diz Cabanas à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Illouz e Cabanas questionam muitas ideias popularizadas pela “indústria da felicidade” e pelo mercado de autoajuda que geram “culpa e frustração” nas pessoas, dizem eles. O pesquisador cita como exemplo a máxima de que “querer é poder” e que tudo está ao nosso alcance “se houver força de vontade”.
Cabanas defende que devemos priorizar a alegria, principalmente a alegria compartilhada, e abandonar o “discurso da felicidade individual”.
1) O sr. já disse em uma palestra TEDx que é uma boa notícia que as pessoas estejam abandonando o discurso da felicidade. Por quê?
Um dos principais problemas com todo esse discurso da felicidade é que ele torna a ideia de felicidade plena uma obsessão. É uma busca que se torna uma espécie de vício, uma promessa que nos fazem os gurus, escritores e coachs, de uma vida melhor, sempre feliz, mais desenvolvida. No entanto, essa é uma promessa enganosa.
A promessa de que podemos ser felizes, ter uma vida boa o tempo todo seguindo uma série de receitas e passos aparentemente muito simples que dependem única e exclusivamente de nós é muito atraente.
Mas ela é fictícia, o que nos deixa constantemente insatisfeitos por não atingirmos esse estado, constantemente preocupados e obcecados com nós mesmos, com nossos pensamentos e emoções. E essa felicidade plena que é prometida nunca chega. É uma meta impossível de se cumprir, um processo que no fundo é uma armadilha para nos deixar viciados em consumir esses produtos.
Por exemplo, uma pessoa que compra um livro de autoajuda para se realizar ou ser feliz, não compra apenas um, compra outro, e depois mais outro e mais outro. Se eles realmente tivessem as chaves para a felicidade que afirmam ter, apenas ler um desses livros seria o suficiente para fazer uma pessoa feliz, certo? Mas não é. Então embarcamos nesse consumo constante. Temos que sair desse loop e é isso que eu queria enfatizar, que temos que estar cientes de que é uma armadilha.
2) Você afirma que a ideia de que ser feliz está unicamente em nossas mãos pode gerar sentimentos de culpa e sofrimento para quem não se sente feliz. Como isso afeta nossa saúde mental?
Muito negativamente. Dizer que ser feliz é algo que depende apenas você mesmo é um discurso atraente, porque não é necessário mais nada para levar uma vida boa e se sentir bem. Mas isso não é verdade. Em nenhuma definição de felicidade ou de alegria pela filosofia ao longo da história o papel das circunstâncias foi completamente eliminado ao definir como alguém pode se sentir bem. Nessa ideia contemporânea de felicidade que nos vendem hoje, praticamente todos esses componentes externos são reduzidos à sua expressão mínima, quando não são deixados completamente fora da equação.
Na verdade, uma dessas ideias enganosas que se popularizou é uma fórmula que diz que 50% da felicidade depende dos genes, 40% da vontade própria e 10% das circunstâncias. Ou seja, 90% da felicidade dependeria só do indivíduo e não de tudo o que é circunstancial na vida: o salário, a classe social, a cultura em que se vive, a família, o apoio que a pessoa tem. É curioso que tudo isso seja apenas 10%.
Geralmente essa ideia de que a felicidade depende apenas de você é perfeita para vender mais um produto de consumo. Porque um guru não pode oferecer uma nova família, um emprego melhor, mais dinheiro, melhores relações sociais ou melhores circunstâncias na vida. Então ele vai querer vender conselhos que dependem inteiramente de você.
Embora esta promessa seja bastante atraente, a mensagem é perversa porque faz com que a pessoa se sinta culpada quando não consegue ser plenamente feliz — o que na maioria dos casos é o resultado. Ela se sente culpada porque foi dito a ela que sua felicidade era algo que dependia exclusivamente dela.
Ficamos sem alternativa porque somos os únicos responsáveis. Isso gera um sentimento de frustração, de culpa pelo fracasso. Mas a princípio atrai, porque parece um discurso fortalecedor, de incentivo. Mas eliminar o papel das circunstâncias e dos fatores sobre os quais não temos controle não é nem realista nem útil em última análise, funciona contra essas pessoas quando elas tentam se sentir melhor.
No Ar: Pampa Na Tarde