Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 7 de fevereiro de 2024
Agora, um ano depois, a Espanha julga Daniel Alves — acusado de estuprar uma mulher em uma boate de Barcelona, o que ele nega —, e o Brasil enfrenta o desafio de colocar em prática o protocolo “Não é Não”, que foi inspirado na experiência espanhola.
A lei brasileira determina regras que estabelecimentos como bares e casas de show devem seguir para prevenir violência contra a mulher e proteger vítimas — inclui treinamento de funcionários e acionamento da polícia. As medidas valem para a proteção de clientes e funcionárias.
Depois da aprovação por parlamentares, a lei foi sancionada no fim de dezembro e entra em vigor 180 dias depois — ou seja, estará valendo no segundo semestre de 2024.
Ao mesmo tempo, iniciativas estaduais e municipais também têm sido aprovadas para prever procedimentos para prevenir assédio sexual em estabelecimentos.
Especialistas ouvidas pela reportagem concordam que o caso Daniel Alves estimulou diferentes iniciativas no Brasil — um “divisor de águas”, nas palavras da promotora do Ministério Público de São Paulo Fabíola Sucasas. Apontam, no entanto, que a conscientização sobre violência sexual e a demanda por mudança de cultura e de comportamento já vinha acontecendo no país.
A BBC News Brasil conversou com a autora do projeto de lei e com especialistas que explicam os avanços conquistados, apontam críticas e dizem quais os principais desafios para as regras virarem prática.
Totalmente inspirado
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), autora da proposta que virou lei, diz que o projeto foi “totalmente inspirado” no caso de Daniel Alves. “A situação muito grave que aconteceu na Espanha nos alertou para a inexistência no Brasil de um protocolo de atendimento às situações de violência e importunação sexual em casas noturnas.”
A deputada diz que o Legislativo brasileiro se inspirou no protocolo de Barcelona “para guarda de provas, chamamento da polícia e proteção à vítima”.
O protocolo brasileiro determina que estabelecimentos como bares e boates devem ter pessoas preparadas para aplicar as regras, ter cartazes que mostram como pedir ajuda à equipe, além de chamar a polícia e colaborar com investigações.
No caso Daniel Alves, especialistas apontam que a boate onde teria ocorrido o caso de violência sexual seguiu um protocolo chamado No Callem, (Não se calem, em tradução livre), criado em 2018 em Barcelona para combater assédio ou violência sexual.
A mulher de 23 anos que afirmou ter sido estuprada por Daniel Alves na madrugada de 31 de dezembro de 2022 foi vista chorando por um segurança do local, que a levou para uma sala reservada e aplicou as regras de atendimento, segundo relatos.
A polícia foi chamada e coletou provas. A vítima foi levada para o hospital — e foi destacada a rapidez do exame de corpo de delito.
Daniel Alves foi preso preventivamente menos de um mês depois.
A justificativa do projeto de lei brasileiro cita que foi a aplicação do protocolo pela casa noturna que “assegurou à jovem de 23 anos ser retirada de imediato do local e levada de ambulância para exame de corpo de delito, ser observada por câmeras, ser atendida prontamente, ser protegida de possíveis novas agressões, ser acolhida para possíveis impactos sobre sua saúde integral”.
O protocolo de Barcelona — que funciona na forma de adesão a um convênio — tem cinco princípios:
– Prioridade é a atenção à pessoa agredida (e não a acusação do crime ou do agressor) e, quando agressão for grave, a vítima não deve ser deixada sozinha em nenhum momento, a menos que ela peça;
– Respeito às decisões da pessoa agredida — a última decisão deve ser tomada por quem foi atacado, “mesmo quando parece incompreensível”;
– Foco não deve estar em um processo criminal;
– Rejeição à atitude do agressor — evitar demonstrar cumplicidade com o agressor, mesmo que seja para reduzir a tensão do ambiente;
– Informação rigorosa — a privacidade da pessoa agredida e a presunção de inocência da pessoa acusada devem ser respeitadas.
O foco no acolhimento à vítima é um dos pontos centrais do protocolo da cidade catalã, destaca Amanda Sadalla, diretora executiva da Serenas, organização sem fins lucrativos que atua na prevenção e enfrentamento de violências contra meninas e mulheres.
“O mais importante (no protocolo de Barcelona) é proteger a vítima, e não a perseguição ao agressor”, diz. “No Brasil, ainda temos muito foco em denúncia e pouco em atendimento.”
Ela explica que o protocolo reconhece que a denúncia não será necessariamente o melhor caminho.
“Denunciar traz sofrimento para a vítima. Idealmente, deveria ser fantástico fazer denúncia. Mas, às vezes, o que ela mais vai precisar é acolhimento, apoio físico, psicológico. O trabalho de recuperação da vítima é fundamental.”
Além disso, um diferencial do protocolo de Barcelona, diz ela, é que ele apresenta um passo a passo detalhado de como colocar as regras em prática. “No Brasil, temos leis fantásticas, mas falta protocolo de como isso entra em vigor”, diz.
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