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Por Redação Rádio Pampa | 21 de dezembro de 2021
Se hoje a relação entre saúde mental e saúde intestinal é reconhecida até por quem não trabalha na área, essa realidade ainda estava ganhando terreno na medicina há alguns poucos anos atrás. A ideia do intestino como “segundo cérebro” começava a pairar no ar. “Apesar de conhecermos há dois mil anos a frase de Hipócrates que cita que toda doença começa no intestino, foram nas últimas três décadas que a gastroenterologia como ciência se transformou”, diz Luísa Leite Barros, gastroenterologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo a médica, não faz muito tempo que diversas doenças eram consideradas sem causa definida, como a Síndrome do Intestino Irritável. É por isso que o conhecimento sobre a fisiologia do nosso órgão digestivo e o papel da microbiota, o universo de microrganismos que habitam todos os espaços possíveis do intestino humano, foram fundamentais para tratamentos mais assertivos. “Agora entendemos que a SII se trata de uma desordem do eixo cérebro-intestino-microbiota”, explica Barros.
Dupla dinâmica
Esse tal eixo depende do bom funcionamento de cada engrenagem para rodar plenamente. Afinal, tudo se conecta: uma alimentação equilibrada mantém o intestino forte e, por consequência, as emoções equilibradas – é nesse órgão que 95% da serotonina, um dos hormônios do bem-estar, é produzida, assim como outros hormônios que têm influência na melhora da depressão. Na outra ponta, uma mente relaxada ajuda a manter o cérebro autônomo, sem depender tanto do intestino para realizar suas tarefas diárias.
Você deve estar se perguntando como funciona essa “dependência”. Parte dela tem a ver com o estresse, um dos estímulos mais importantes na comunicação entre os dois órgãos. Quem explica o assunto de forma didática e divertida é a gastroenterologista alemã Giulia Enders, autora best-seller O Discreto Charme do Intestino (WMF Martins Fontes, 2015). “Ao perceber um grande problema, como a pressa ou a irritação, nosso cérebro vai querer resolvê-lo. Para tanto, precisa de energia, que tomará emprestada sobretudo do intestino”, descreve a médica no livro. O que acontece então é que a energia que seria usada para a nossa digestão acaba sendo redirecionada a outra parte do corpo.
Em tese, não faz mal se esse processo ocorrer uma vez ou outra. O problema é quando o cérebro passa a abusar da boa vontade do nosso órgão digestivo, brinca Enders. “O intestino também enviará sinais desagradáveis ao cérebro – do contrário, a situação não mudará. Desse modo, podemos nos sentir mais cansados ou sem apetite, ter mal-estar ou diarreia”, escreve. As consequências costumam chegar com o tempo: menor circulação no intestino, afinamento das paredes intestinais e sensibilidade crescente. O segundo passo é a concretização da doença.
Sensível a impactos externos
No mundo, estima-se que 5 milhões de pessoas sofrem com doenças inflamatórias intestinais (DII), segundo a Sociedade Brasileira de Coloproctologia, a SBCP. Mas mesmo quem não tem nenhum problema relacionado ao intestino pode sentir os impactos de uma microbiota desregulada. Por ser um órgão extremamente inervado, é sensível a variações ambientais como dieta, tabagismo e ansiedade. “O próprio estresse gera toxinas que acabam inflamando o intestino e favorecendo o surgimento de bactérias ruins. Se ele não está saudável, não absorve nutrientes. Então mesmo que você coma de forma equilibrada, o órgão não consegue trabalhar como deveria”, explica a nutricionista e pesquisadora Aline Quissak.
Começa, então, um ciclo difícil de quebrar. “Você passa a ter desconfortos na digestão, com sensação de estufamento e cólicas, e isso afeta o seu humor. Por conta disso, é provável que você não durma bem. Mas é durante o sono que ocorre a regulação hormonal, então como resolver a situação?”, questiona a nutricionista. A resposta está justamente no órgão tubular que preenche nossa barriga com seus quase seis metros de comprimento e quatro centímetros de diâmetro: intestino.
Alimentação é fundamental
Segundo Aline, o primeiro passo para começar a recuperação é cicatrizar o intestino. “Esse protocolo leva pelo menos 10 dias e é um preparo para a próxima etapa. Consiste em ingerir suco de aloe vera específica para consumo, em jejum, e, ao longo do dia, alimentos que fermentem pouco”, sugere a especialista. Infusões digestivas entre as refeições, como erva-doce, camomila e noz-moscada, além de vegetais, legumes amarelo-alaranjados e frutas vermelhas também entram na rotina.
Qualquer sintoma gástrico pode ser um ponto de partida, como refluxo, gastrite e constipação, mas pessoas com doenças autoimunes também podem se beneficiar muito do protocolo.
Mas é importante deixar claro que todo esse processo deve ser orientado por um especialista e não substitui o tratamento medicamentoso para cada doença. “A dieta anti-inflamatória é adjuvante no manejo clínico do paciente. Vale lembrar também que a busca por hábitos alimentares saudáveis faz parte de uma mudança de estilo de vida, com prática de atividades físicas”, pontua a gastroenterologista.
O hábito de manter os exercícios físicos na rotina, inclusive, ajuda diretamente na melhora de doenças inflamatórias. “Eles aumentam a capacidade de resposta do sistema imunológico porque liberam citocinas e também agentes anti-inflamatórios que vão ajudar em todo esse processo”, explica a nutricionista e personal trainer Tais Rímoli.
O poder das bactérias
Quanto mais a ciência se aprofunda nas vilosidades do intestino, mais ela descobre o poder de influência das bactérias que moram dentro de nós. Não à toa, a palavra microbiota tem sido utilizada no lugar de flora intestinal e significa “pequena vida”. O termo se refere aos microrganismos que habitam o intestino humano desde o primeiro dia de vida das pessoas.
Cada adulto tem cerca de 14 trilhões deles – entre bactérias, vírus e fungos que são responsáveis pela digestão, processamento dos nutrientes e interação com o sistema imunológico. “A composição da nossa microbiota molda tanto o padrão de resposta inflamatória saudável quanto pode predispor a doenças”, explica a gastroenterologista Luísa Leite Barros, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Já é consenso, por exemplo, que o consumo excessivo de açúcar, bebidas alcoólicas e cigarro estimula a disbiose – o crescimento das cepas “ruins”, que causam estufamento, entre outros sintomas, e não ajudam em nada o organismo. Por isso, é importante manter fortes as “boas”, capazes de ajudar em diversas questões de saúde – desde a melhora da pele, em casos de acne e dermatites, até como ajuda no tratamento de transtornos mentais, como depressão, ou doenças neurológicas, como Parkinson.
No Ar: Pampa Na Madrugada