Terça-feira, 26 de Novembro de 2024

Home Curiosidades Chá semanal, fardão, discursos: as histórias que enriquecem a trajetória da Academia Brasileira de Letras

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A Academia Brasileira de Letras (ABL) acumulou, ao longo de 125 anos, um punhado de histórias, tradições, anedotas e causos que dão à Casa de Machado de Assis uma aura mística que reforça a inestimável produção cultural de seus acadêmicos. Do legado costurado no garboso fardão e celebrado no chá semanal a embaraçosos discursos que compõem o anedotário da instituição, reunimos abaixo algumas curiosidades da aniversariante.

Uma das maiores tradições da ABL, o fardão foi proposto pela primeira vez em 4 de junho de 1910. Na ata da sessão, está registrado que Medeiros e Albuquerque leu uma indicação assinada por vários acadêmicos sobre a criação de um uniforme. José Veríssimo foi contra, mas a ideia foi aprovada, e João do Rio foi o primeiro a usá-lo.

Segundo o museólogo da ABL, Anselmo Maciel, em 1923 houve discussões para mudar o modelo da vestimenta e chegou-se ao que é usado pelos homens hoje — ainda feito, na maioria das vezes, pelo alfaiate Diógenes Cardoso.

O modelo feminino, fabricado pela primeira vez em 1977 pela estilista Silvia Souza Dantas para Rachel de Queiroz, teve alterações em 2010, por sugestão de Maria do Carmo Vilaça, mulher do então presidente, Marcos Vilaça. O estilista Guilherme Guimarães fez a repaginação.

Finalmente, elas

Por muitos anos, a ABL não aceitou mulheres em suas cadeiras. Logo na fundação, vetou a ficcionista Júlia Lopes de Almeida na cadeira 3.

“Correu a lenda de que Machado não teria aprovado o nome dela, porque a Academia Francesa, na qual a nossa se baseou, não tinha mulheres. Mas colocaram no lugar o marido, Filinto de Almeida, poeta português naturalizado brasileiro”, conta Antonio Carlos Secchin, ocupante da cadeira 19.

Em 1930, Amélia Beviláqua candidatou-se para uma vaga, mas não foi eleita. Em solidariedade à mulher, Clóvis Beviláqua, fundador que ocupou a cadeira 14, nunca mais foi à Academia. A entrada de uma mulher só aconteceu em 1977, quando Rachel de Queiroz foi eleita para a cadeira 5.

A presidência da casa foi ocupada por uma acadêmica pela primeira vez em 1996, com Nélida Piñon.

Chá

Desde as primeiras sessões preparatórias para a criação da Academia, no fim do século XIX, o chá entrou no dia a dia da instituição e virou figura tão presente — e mítica — quanto as discussões literárias.

“Quando as reuniões eram realizadas no escritório do Dr. Rodrigo Octavio (um dos fundadores, cadeira 35), ele sempre oferecia um chá”, conta Anselmo Maciel. “Esse costume foi construído junto com a fundação e permanece até hoje.”

Servido todas as quintas-feiras, a partir das 15h, o chá antecede sessões oficiais e tem um clima informal. Segundo Nélida, a mesa tem água de coco, frutas, bolos de rolo, sanduíches, empadas, biscoitos de polvilho, pães de queijo e outras delícias.

“Mas não é nada suntuoso. O espírito da casa é realçar aquilo que é do gosto do brasileiro. Tudo tem um jeito singelo”, diz a escritora.

Secchin, no entanto, diz que o evento pode ser traiçoeiro:

“É uma mesa atraente e deve ser usada com moderação por quem pretende caber no fardão pelos próximos anos”, brinca o professor e poeta.

Fim de relações

Clóvis Beviláqua não foi o único que rompeu com a ABL. Rui Barbosa, fundador da cadeira 10, foi outro que brigou e nunca mais apareceu. Graça Aranha também, em 1924, quando seu projeto de renovação foi recusado pela corrente de Coelho Neto. Ao que Aranha escreveu: “A Academia Brasileira morreu para mim, como também não existe para o pensamento e para a vida atual do Brasil. Se fui incoerente aí entrando e permanecendo, separo-me da Academia pela coerência.”

Mesmo com os desligamentos, as cadeiras são vitalícias, não há substituição do acadêmico desgostoso com os rumos das prosas.

Longos e breves

Antes de ser um escritor nacionalmente conhecido, Guimarães Rosa inscreveu o livro “Magma” em um concurso de poesias da ABL e saiu vencedor em 1936. A obra, porém, só foi publicada após sua morte.

O escritor mineiro, aliás, ficou muito pouco tempo como acadêmico: três dias. Eleito em 8 de agosto de 1963, só tomou posse em 16 de novembro de 1967 e morreu no dia 19. Episódio trágico e irônico, porque ele demorou para oficializar sua entrada na casa justamente por medo de morrer quando se tornasse imortal.

No extremo oposto, com a mais longa vida como acadêmico, esteve Magalhães de Azeredo, fundador da cadeira 9.

“Machado de Assis indicou Magalhães, que tinha apenas 25 anos. Mesmo para aquela época, era muito jovem”, conta Secchin. “Ele morreu com 91 (em 1963), sendo acadêmico por 66 anos.”

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