Sábado, 23 de Novembro de 2024

Home Saúde Cientistas questionam pesquisa de remédio para Alzheimer

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Uma pequena empresa de biotecnologia que anunciou um novo tratamento para a doença de Alzheimer agora está sendo criticada por irregularidades em seus resultados de pesquisa, depois que vários estudos relacionados ao seu trabalho foram retirados ou questionados por revistas científicas.

A Cassava Sciences, com sede em Austin, Texas (EUA) anunciou em 2021 que seu medicamento, Simufilam, melhorou a cognição em pacientes de Alzheimer em um pequeno ensaio clínico, descrevendo esse resultado como o primeiro avanço no tratamento da doença. Mais tarde, a empresa iniciou um ensaio maior.

O potencial da droga atraiu enorme atenção dos investidores. A doença de Alzheimer afeta cerca de 6 milhões de americanos, um número que deve dobrar até 2050, e um tratamento eficaz seria lucrativo. As ações da Cassava Sciences chegaram a subir mais de 1.500%. A empresa valia quase US$ 5 bilhões (cerca de R$ 23 bilhões) no verão passado.

Mas muitos cientistas têm sido profundamente céticos em relação às alegações da empresa, afirmando que os estudos da Cassava Sciences eram falhos, seus métodos opacos e resultados improváveis.

As famílias de alguns participantes do estudo disseram que veem melhorias. Mas os críticos notaram que o estudo relatando melhor cognição devido ao Simufilam não tinha um grupo placebo e afirmaram que os pacientes de Alzheimer não foram acompanhados por tempo suficiente para confirmar que quaisquer melhorias na cognição eram genuínas. Alguns especialistas foram mais longe, acusando a empresa de manipular seus resultados científicos.

Em resposta às alegações, em dezembro, o The Journal of Neuroscience publicou “expressões de preocupação” – o que indica que os editores têm motivos para questionar a integridade e precisão do artigo – sobre dois estudos cerebrais de autoria do principal colaborador da empresa, Hoau-Yan Wang, professor da City University of New York. Um foi co-escrito por Lindsay Burns, cientista-chefe da Cassava Sciences. Os editores da revista também notaram erros nas imagens que acompanham o último estudo.

Em março, a revista Neurobiology of Aging anexou uma expressão de preocupação a outra publicação sobre Alzheimer de autoria de Wang e Burns, entre outros, que tem sido fundamental para a hipótese de tratamento da empresa. Os editores “não encontraram evidências convincentes de manipulação de dados com a intenção de deturpar os resultados”, mas passaram a listar uma variedade de erros metodológicos. Ambas as revistas disseram que esperariam para tomar outras medidas enquanto aguardam uma investigação do empregador de Wang, a CUNY.

Wang não respondeu aos pedidos de comentários. A universidade se recusou a confirmar ou negar que uma investigação estava em andamento.

Em 30 de março, outra revista científica, PLoS One, retirou cinco artigos de Wang após uma investigação de cinco meses sobre “sérias preocupações sobre a integridade e confiabilidade dos resultados”, segundo um porta-voz da revista. Dois dos artigos, co-escritos por Burns, eram sobre uma proteína cerebral alvo da droga da Cassava Sciences.

A reportagem do The New York Times entrou em contato com nove especialistas proeminentes para comentar sobre os fundamentos científicos dos ensaios da Cassava Sciences. Todos disseram que não confiavam nos métodos da empresa, nos resultados ou mesmo na premissa subjacente à suposta eficácia do medicamento.

Roger Nicoll, um neurocientista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, disse estar particularmente irritado porque o trabalho da Cassava Sciences é parcialmente financiado pelos contribuintes. Ao todo, a empresa recebeu mais de US$ 20 milhões (cerca de R$ 93 milhõews) dos Institutos Nacionais da Saúde. “Este medicamento não deve ser dado a pacientes. Nunca deveria ter sido. Nunca”, disse. “Quanto mais isso dura, mais indignado fico.”

O fundador e CEO da Cassava Sciences, Remi Barbier, disse que muitos de seus críticos eram “maus atores” com conflitos de interesse financeiros. Ele disse que as alegações de manipulação de dados eram falsas e observou que algumas foram divulgadas sob sigilo, tentando reduzir o preço das ações da empresa para lucrar.

“Eles foram e continuam indo a extremos irreais para impedir nosso progresso”, escreveu Barbier em um e-mail. “O esforço para manchar a Cassava Sciences parece interminável.”

A Cassava é nova na pesquisa de Alzheimer. Até 2019, chamava-se Pain Therapeutics, e seu produto Remoxy – uma forma de gel do opioide oxicodona que se destinava a impedir o abuso de drogas – era o favorito entre os investidores. Mas a Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora de saúde nos Estados Unidos, repetidamente rejeitou o medicamento e repreendeu a empresa por promover o Remoxy antes da aprovação.

De acordo com a Cassava Sciences, o Simufilam restaura a forma e o funcionamento normais de uma proteína chamada filamina A que se deforma no cérebro de pessoas com doença de Alzheimer e, assim, retarda a demência e melhora a cognição.

Mas os especialistas em Alzheimer disseram que não conheciam estudos independentes que apoiassem essa hipótese ou explicassem os resultados. “As conclusões gerais sobre a doença de Alzheimer não fazem sentido algum para mim”, disse Thomas Südhof, ganhador do Prêmio Nobel e neurocientista de Stanford. As teorias da Cassava “não estão no mainstream do campo e, para mim, parecem implausíveis e artificiais”, disse ele.

Em seus artigos, a empresa disse que a teoria é apoiada por fortes evidências. “Mas, na verdade, todas as evidências parecem ser deste laboratório”, disse Lawrence Honig, especialista em doença de Alzheimer em Columbia.

As críticas e retratações prejudicaram a reputação da Cassava Sciences. Este mês, a empresa disse aos investidores que havia inscrito apenas 60 dos 1.750 participantes necessários para o teste de Alzheimer. Na segunda-feira, as ações da empresa estavam sendo negociadas a US$ 25 por ação, abaixo da alta de US$ 135 no verão passado.

A Cassava foi, de fato, objeto de táticas de venda a descoberto. Em agosto, dois cientistas apresentaram uma petição de cidadão ao FDA, usando um escritório de advocacia que representa denunciantes e citando “graves preocupações sobre a qualidade e integridade” da pesquisa da empresa. Suas ações caíram cerca de 30%. Os dois os cientistas detinham uma posição vendida nas ações da Cassava e lucraram com seu declínio, o que prejudicou a credibilidade de sua petição. Ambos já se desfizeram dessas posições financeiras.

A FDA negou a petição “apenas com o argumento de que seus pedidos não são o assunto apropriado de uma petição de cidadão”, de acordo com seu comunicado. Mas os funcionários da FDA também reconheceram as questões levantadas e disseram que sua resposta não representa “uma decisão da agência de tomar ou abster-se de tomar qualquer ação”.

Um porta-voz disse ao Times que “a FDA, por política, não discute investigações possíveis ou em andamento”. Os cientistas, Dr. Geoffrey Pitt de Cornell e Dr. David Bredt, um neurocientista, se recusaram a comentar, assim como o advogado que os representou.

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