Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 26 de janeiro de 2025
“A Argentina está cara em dólares”, contou Manuel, empresário gastronômico de 37 anos, durante minha última visita à capital do país, Buenos Aires, no mês de dezembro. “Você que veio dos Estados Unidos vai perceber rapidamente.”
Já no meu primeiro dia na cidade, confirmo a observação de Manuel no preço do café.
Em Palermo, bairro turístico da capital, uma xícara de café custa 3,3 mil pesos – US$ 3,20 pelo câmbio oficial (cerca de R$ 19), cotado a poucos centavos a menos que o paralelo, que os argentinos chamam de “dólar blue”.
Costumo pagar um dólar a menos pelo café na mesma rede de cafeterias em Miami, nos Estados Unidos.
Mas não são só os lugares frequentados pelos estrangeiros que estão caros em dólares. A mesma situação se repete em locais menos turísticos e com produtos mais procurados pelos argentinos. Vemos o mesmo no pão fatiado, que custa US$ 4 (R$ 23,70), ou na manteiga a US$ 3 (R$ 17,80).
E também nos produtos importados. Um copo térmico Stanley, por exemplo, custa em Buenos Aires US$ 140 (R$ 830). Nos Estados Unidos, o mesmo copo não passa de US$ 30 (R$ 178).
Segundo o índice de preços Big Mac do McDonald’s, criado pela revista The Economist em 1986, o preço do hambúrguer na Argentina é o mais alto da América Latina (US$ 7,37, cerca de R$ 43,70) e o segundo maior do mundo, atrás da Suíça.
Um ano atrás, o Big Mac custava na Argentina a metade do preço atual, em dólares.
Estimativas do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) indicam que o peso argentino aumentou de valor em 40%, em termos reais, entre dezembro de 2023 e outubro do ano passado.
Mas este avanço não se traduziu em aumento do poder aquisitivo da população. Afinal, os salários permaneceram congelados e as chamadas correções do governo Javier Milei geraram forte recessão, que provocou queda do consumo.
“Não estamos nem melhor, nem pior. Temos problemas diferentes do ano passado”, conta o dono de uma padaria com mais de 30 anos no setor, questionado sobre o efeito da valorização da moeda local sobre suas vendas. Ele votou em Milei e continua apoiando o presidente.
O impacto da queda da inflação argentina (a maior conquista de Milei no seu primeiro ano na presidência), aliada à valorização da moeda local, surpreende qualquer pessoa que não tenha visitado o país no último ano.
Mas por que a Argentina passou a ser “cara em dólares”, depois de ter sido um dos países mais baratos da América Latina? E quais os impactos na sua economia?
O ‘superpeso’
“Para viver na Argentina, preciso hoje de mais dólares do que um ano atrás”, conta o programador brasileiro Thiago. Ele cobra por seus serviços na moeda americana e, há dois anos, decidiu morar na Argentina, com o câmbio favorável na época.
Desde que o peso se fortaleceu no país e o real caiu no Brasil, liderando a queda das moedas latino-americanas, Thiago pensa em voltar para São Paulo. “Lá, vivo melhor com menos dólares”, ele conta.
Thiago não é o único. Em agosto de 2024 uma onda de brasileiros estava deixando a Argentina porque era “inviável” para eles permanecer no país.
O presidente Milei desvalorizou a moeda argentina em 54% logo após a sua posse. Um ano depois, ela se transformou no que os meios de comunicação do país chamam de “superpeso”. Como isso aconteceu?
O motivo é a estratégia adotada por Milei para baixar a inflação, sua principal meta ao assumir a presidência. Afinal, em 2023, a inflação argentina atingiu 211%, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos do país (Indec).
Milei empregou um instrumento que os economistas chamam de “âncora inflacionária”. O preço do dólar oficial foi “ancorado”, aumentando sua cotação – ou seja, desvalorizando o peso – pelo nível fixo de 2% ao mês, muito abaixo do índice mensal de inflação.
Esta medida, aliada à “âncora fiscal”, que reduziu fortemente os gastos públicos, e à “âncora monetária”, com a suspensão da emissão de dinheiro para financiar o Tesouro, foi fundamental para que a Argentina fechasse 2024 com inflação anual de 118% – uma redução de 44,5% em um ano.
O lado negativo é que, enquanto o peso se fortalecia ao ser desvalorizado abaixo da inflação, o dólar oficial ficou atrasado em relação ao custo de vida, perdendo grande parte da sua capacidade de compra.
Como resultado, surgiu um novo fenômeno para os argentinos: a inflação em dólares. Estimativas de diversos economistas locais indicam que ela superou 70% no ano passado.
Ou seja, um produto que custava US$ 100 um ano atrás, hoje, custa US$ 170. As informações são do portal G1.
No Ar: Pampa Na Tarde