Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024

Home Saúde Como certas práticas de bem-estar colocam em risco você e o planeta

Compartilhe esta notícia:

Na virada de 2019 para 2020, estabeleci uma meta: no novo ano que se aproximava, iria me sentir bem. Evidentemente, eu nem cogitava o surgimento de um vírus que viraria nossas rotinas de cabeça para baixo. Depois de três anos tomando antidepressivos, ansiolíticos, testando as mais variadas vertentes de psicoterapia, acupuntura e reiki, eu só queria experimentar o que via no meu feed do Instagram.

Sei que muito daquilo não é verdade, mas como seria viver um dia inteiro sem dor de cabeça? Como seria acordar com disposição para correr cinco quilômetros antes das 7h? Aliás, como seria acordar antes desse horário?

A verdade é que o desejo de se sentir bem é inerente à humanidade. “O que mudou nas últimas décadas foi a procura pelo bem-estar imediato, o tempo todo querer algo que gere prazer. E aí tem um lado da demanda, das pessoas procurando por esse bem-estar, e o da oferta, de uma indústria que captou a tendência, mas a amplificou e aprofundou”, observa o sociólogo André Salata, professor da pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “E essa indústria promove a promessa de um bem-estar que não demanda sacrifícios.”

Os problemas começam na definição do que seria “bem-estar”. “Ele não existe do ponto de vista absoluto, é uma construção social”, defende o professor da PUCRS. De acordo com o Instituto Nacional de Wellness dos Estados Unidos, bem-estar é um processo consciente, autodirecionado e em constante evolução para alcançar o potencial completo.

Nesse processo, vale tudo: de acupuntura e medicina ayurvédica a alimentos e temperos como couve, quinoa e cúrcuma, passando por agendas para acompanhar a movimentação planetária, máscaras faciais que prometem o rejuvenescimento da pele e cristais para equilibrar a energia do corpo. A questão é que, entre todos esses modismos, há práticas para as quais já existem evidências científicas e outras que podem ser consideradas pseudociência.

Nem o Sistema Nacional de Saúde brasileiro, o SUS, escapou dessa moda. Em seu rol de práticas integrativas e complementares, política oficializada em 2006 com aprovação unânime do Conselho Nacional de Saúde, há tanto métodos com eficácia científica comprovada para o gerenciamento do estresse, como yoga e meditação, quanto outras sem embasamento: imposição de mãos (que visa restabelecer o equilíbrio do “campo energético” humano), apiterapia (que usa produtos derivados de abelhas para fins terapêuticos) e constelação familiar (método psicoterapêutico que busca reconhecer a origem dos problemas de um indivíduo em membros da família). Essa última ultrapassou fronteiras da saúde e chegou ao Judiciário, que usa a constelação familiar para solucionar conflitos.

Para o jornalista Carlos Orsi, fundador do Instituto Questão de Ciência, o rótulo vago seria um modo de burlar a regulamentação das agências sanitárias. “Para prometer que seu produto vai trazer benefícios à saúde, é necessário ter autorização da agência regulatória, e para obter a autorização é preciso provar que funciona”, explica. “É um rótulo mercadológico para entrar nas entrelinhas, driblar a letra da lei para não serem enquadrados em charlatanismo.”

Embora concorde que nenhum produto vai resolver a vida de alguém e que existem várias categorias de bem-estar, a publicitária Nicole Vendramini acredita que existem, sim, hábitos que podem ajudar as pessoas a se sentirem melhor. “A gente nunca esteve tão avançado do ponto de vista de ciência ocidental e tradicional, mas nunca tão doente como sociedade. Alguma coisa não está funcionando”, avalia Vendramini. Foi esse pensamento que a levou a criar, em 2019, a Holistix, marca brasileira que se propõe a “ajudar as pessoas a criarem bons hábitos e a gostar deles” e que aposta na “ciência da criação de hábitos e vida saudável”.

Entre os itens que ajudariam nesse processo estão: raspador de língua (carro-chefe da marca), óleos essenciais, misturas para bebidas e objetos de papelaria. “Nossos produtos são só a pontinha da história, porque somos uma empresa e precisamos de dinheiro para nos sustentar”, pondera Nicole, que assegura: “A gente se inspira na ciência ancestral, mas só traz soluções que sejam ancoradas na ciência moderna.”

De fato, existem milhares de artigos relacionados ao bem-estar. Digite “wellness” no buscador do PubMed, plataforma que reúne publicações científicas do mundo todo, e você vai se deparar com mais de 200 mil resultados. E isso só na parte de ensaios clínicos, aqueles que envolvem voluntários para determinar a segurança e a eficácia de intervenções de saúde. O número desses ensaios saltou de 3.151 no ano 2000 para 18.097 em 2020.

O problema é que esses trabalhos são, em sua maioria, muito específicos e feitos com poucos participantes, quando não inconclusivos ou sem a constatação de alguma eficácia.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Saúde

Organização Mundial de Saúde monitora ao menos 169 casos de hepatite aguda desconhecida
Nasa comemora 32 anos do Hubble com imagem de intrigante grupo de galáxias
Deixe seu comentário
Baixe o app da RÁDIO Pampa App Store Google Play

No Ar: Pampa News