Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2025

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História deveria ser disciplina mais disseminada nas escolas. Não vejo como
compreender o mundo sem compreender, pelo menos, a Tradição Ocidental, a
produção dos acontecimentos. Se não se sabe como as coisas vieram dar no
que deram, como se compreenderá a situação das pessoas nas suas circunstâncias?

Se alguém não compreende sua situação em um dado lugar e tempo, como se entenderá a si própria? Em alguém não se entendendo, como deixará de estar alienado de si e, logo, do mundo em que vive?

Alienação: “Processo ligado essencialmente à ação, à consciência e à situação
dos homens, e pelo qual se oculta ou se falsifica essa ligação de modo que
apareça o processo (e seus produtos) como indiferente, independente ou superior aos homens, seus criadores” (Aurélio).

Alienado: “que ou aquele que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, políticos e culturais que o condicionam e os impulsos íntimos que o levam a agir da maneira que age” (Houaiss).

É dizer: os acontecimentos do mundo são produzidos pelos humanos; os acontecimentos são relacionados entre si e geram efeitos; esses efeitos propiciam os acontecimentos seguintes; dado que são produção humana,
acontecimentos sociais jamais são desatrelados dos humanos, nem a eles são superiores ou inferiores; na relação com os acontecimentos, os humanos são
criador e criatura, pois criam o mundo ao tempo mesmo em que o mundo
criado cria a consciência humana (relação dialética). Noutro modo de dizer: a
humanidade faz a História, a História faz a humanidade, que faz a História, que faz a humanidade.

Os alienados em geral acreditam que cada pessoa tem seu próprio pensamento. Acreditam que fabricaram sozinhos, ou que escolheram o que pensam. Contudo, imaginemos uma criança que recém-nasceu: que pensará essa criança? É possível supor que ela escolherá pensamentos? Ora, essa criança pensará o que se assentar em sua cabeça. E sua cabeça será preenchida com o que lhe disserem os pais, os pastores, os professores, os amigos, os filmes, os livros, a internet etc.

O pensamento da criança jamais será o que ela escolher. Será, dentre os que circulam no mundo, a resultante daqueles que a alcançarão e se alojarão em
seus registros cerebrais. Não selecionamos pensamentos. Pensamentos é que
nos alcançam por meio de aparelhos ideológicos (família, igreja, escola,
televisão, redes sociais etc.), que os assentam em nós, que nos constituem.
Somos (depois) seres pensantes dos pensamentos que (antes) já estavam no
mundo. Sim, há gênios que transcendem as circunstâncias, mas são
excepcionais.

Lembrando o Houaiss: alienado é o sujeito que “vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, políticos e culturais que o condicionam”. Quer
dizer: os fatores sociais, políticos e culturais do meu tempo e do meu lugar (do meu mundo) me condicionam, fazem-me a cabeça. Não compreender isso é não compreender o que é alienação, é estar alienado. E a principal “ferramenta” de conhecimento a me permitir saber o meu tempo e o meu lugar, logo, a mim mesmo, é a História (inclusive a História das ideias, que inclui a História das crenças religiosas).

Reflito sobre essas coisas porque observo a repetição de um raciocínio que
não poderia ser mais alienado. Há quem lance: ‘’Hoje em dia não temos mais
valores, nos tornamos consumistas, tudo está relativo; viramos individualistas”. A essa gente falta estudar História. São saudosistas de um passado que não conhecem e estão alienados da contemporaneidade. O mundo não é exatamente bom, no entanto, nada indica que haja sido melhor.

A Civilização é movimento, não fica pronta, e o futuro é construído sobre a herança histórica, não cabe marcha à ré. Ademais, a antropologia ensina que desde a selva somos individualistas: egoístas dentro do bando, cooperativos com a sobrevivência do bando. Uma cooperação interesseira (não moralmente má), pois pereceríamos sem o bando. Sobre valores, por um milênio e meio prevaleceram unicamente os da igreja católica; discrepar era morrer sob tortura. Quanto a consumo, não é novidade, apenas (ainda bem) ocorreu sua massificação, o que não justifica excessos. E tudo está relativo? Se não estivesse, eu não estaria escrevendo e você não estaria lendo. Melhor, não?

* Léo Rosa de Andrade, escritor, professor, psicanalista e jornalista

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