Quinta-feira, 28 de Novembro de 2024

Home Tecnologia Dispositivo de inteligência artificial ajuda estudantes cegos no Brasil

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“Nem sempre as pessoas me entendem. Poucos conseguem realmente saber o que é a inclusão. Para mim, ter uma tecnologia que permite ler diferentes livros por transformar as palavras em áudio me trouxe mais confiança, segurança e independência”.

O depoimento é da estudante Kayenne Alves, de 16 anos, moradora de Cuiabá, Mato Grosso. Com deficiência visual desde que nasceu, a aluna do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) recebeu da Secretaria da Educação do Estado algo que, segundo ela, a fez avançar nos estudos desde abril: o dispositivo com inteligência artificial chamado Orcam MyEye.

Ele pesa apenas 22 gramas, é do tamanho de um dedo e se conecta a todo tipo de armação de óculos. A tecnologia foi criada em Israel em 2015 e é capaz de transformar textos de livros ou de qualquer superfície, como um cardápio, em voz alta e sem necessitar de conexão à internet.

Basta apontar o dedo onde quer que se faça a leitura. O sensor óptico captura a imagem e através da inteligência artificial converte as informações instantaneamente em áudio por meio de um pequeno alto-falante localizado acima do ouvido.

No Brasil, o dispositivo chegou pela empresa Mais Autonomia, que é do ramo de tecnologia assistiva, em 2018. Segundo o diretor Doron Sadka, ele o conheceu quando viajou para Israel e decidiu importá-lo com o sistema adaptado em três idiomas: português, inglês e espanhol.

Além da Kayenne, outros estudantes cegos ou com baixa visão receberam esse tipo de tecnologia em escolas estaduais, municipais e universidades privadas ou públicas entre o ano passado e este ano, como nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Amazonas.

Os alunos podem ficar com os óculos até encerrarem o curso da unidade de ensino, como o ensino fundamental e ensino médio — no caso das escolas municipais e estaduais — e o superior. Por ser importada e de alto custo — cerca de R$ 14 mil cada —, a tecnologia ainda não é acessível para todos com deficiência visual no Brasil.

A empresa estima que estudantes e trabalhadores tiveram contato com o dispositivo em 800 cidades. Porém, o número não chega nem perto dos 35,7 milhões de brasileiros com deficiência visual, segundo o último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010.

De Israel para o Brasil

O último relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 16 de maio deste ano, aponta a falta de acesso às tecnologias assistivas.

Mais de 2,5 bilhões de pessoas precisam de um ou mais produtos assistivos no mundo, mas quase um bilhão não tem acesso, principalmente em países de baixa e média renda, diz o relatório.

O dispositivo Orcam MyEye foi lançado em 2015 por Amnon Shashua e Ziv Aviram, em Israel, para atender esse público. Os dois são donos da empresa de tecnologia Orcam, que foi fundada em 2010 e tem como foco desenvolver a inteligência artificial.

O diretor da empresa que importa a tecnologia para o Brasil diz que a entrada do dispositivo nas instituições de ensino começou depois que ele e a empresa analisaram o último censo do IBGE sobre pessoas com deficiência.

“Em Israel, o governo paga 50% da tecnologia porque tem o subsídio. França e Alemanha também. Aqui no Brasil não tem política de subsídio para tecnologia assistiva ainda. Talvez um dia possa ter. Então, comecei a entrar em contato com governadores, prefeitos e reitores de universidades para explicar como era o dispositivo”, afirma Doron Sadka.

Por ser a única representante no país, a lei permite que o dispositivo seja comprado por inexigibilidade, sem necessidade de licitação.

Outras tecnologias

Diversos aplicativos no smartphone para reconhecer imagens, rótulos de produtos, cédulas de dinheiro e acessar materiais impresso ajudam pessoas com deficiência visual.

Entre os mais conhecidos estão o TapTapSee, usado para ler rótulos de produtos, e o Seeing AI, uma iniciativa de inteligência artificial da Microsoft para organizar documentos em pastas, além de reconhecer os textos das fotos que recebe por e-mail ou redes sociais.

O Facebook, da Meta, usa algoritmos para ter a descrição de imagem automática para cegos.

Para Maria Lucia Miyake Okumura, professora da PUC Paraná e pesquisadora na área de tecnologia assistiva, as tecnologias estão ajudando as pessoas com deficiência a entrarem para o mercado de trabalho.

“Vejo um avanço na área da robótica, por exemplo, para ajudar com mobilidades. O Orcam ajuda nos estudos e, consequentemente, no trabalho. Eu sempre falo que, podem ter recursos avançados, mas precisa ter uma forma de chegar para as pessoas. Não só os preços, mas que personalize o seu uso, naquela função.”

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