Sexta-feira, 22 de Novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 9 de julho de 2022
O novo livro da professora de filosofia Donatella Di Cesare, O Complô no Poder (Ayiné), chega ao Brasil para resolver várias dúvidas a respeito de um tema que, até a eleição de Jair Bolsonaro e a gestão do seu governo durante a pandemia do coronavírus, nunca foi predominante na cultura brasileira e parece que se transformou no “novo normal”: as teorias conspiratórias.
O argumento principal é simples, mas instigante. Se, antes, tanto nos Estados Unidos como na Europa e no Brasil, a conspiração sempre foi vista como uma espécie de discurso que se opunha ao governo burocrático o qual jamais pretendeu mostrar a verdade ao povo, com o Estado e seus representantes sendo os inimigos a serem combatidos, agora, depois da eleição de Donald Trump e o referendo do Brexit em 2016, ocorreu uma reviravolta que passou desapercebida: esses novos governos usam a desconfiança dos outros para permanecerem no poder.
Di Cesare colhe exemplos recentes, retirados dos noticiários, como a seita paranoica QAnon, os movimentos anti-vacinas, a polêmica ao redor das fake news, entre outros. Para argumentar, semelhante a Umberto Eco, que o complô enraizado atualmente nas estruturas de poder é um artifício para o cidadão, esmagado pelas estruturas de poder (apelidadas de “globalistas”), de querer entender o mundo em sua incerteza desesperada.
Por isso mesmo, apesar de não concordar com essas teorias, Di Cesare não as descarta por completo, evitando se enquadrar em um “anti-complotismo” rasteiro, pois ela entende que os integrantes desse mundo paralelo têm reivindicações ou diagnósticos sobre a situação contemporânea absolutamente válidos, mesmo que todos sejam muito perturbadores para o analista cioso de ser o mais racional dos seres.
Um dos modelos deste tipo de investigação equivocada é justamente o mesmo Umberto Eco que a professora italiana elogia em algumas linhas, mas depois dedica todo um capítulo de caráter crítico. Em um texto famoso, intitulado nada mais, nada menos que O Complô, o autor de O Pêndulo de Foucault (um romance obcecado com o reino da paranoia), Eco argumenta que a síndrome da conspiração é tão antiga quanto o mundo, pois ela utiliza coincidências casuais, que se tornam densas de significado, e conexões estabelecidas entre fatos totalmente desconexos.
Contudo, há uma maneira de saber o que é verdadeiro e o que é mentiroso – e por meio de um recurso muito simples. Trata-se da “prova do silêncio”, um modelo de persuasão que é usado, por exemplo, “contra aqueles que insinuam que o desembarque americano na Lua foi um embuste televisivo.
Se a espaçonave americana não tivesse chegado à Lua, havia alguém que teria todas as condições de averiguar a operação, além de todo o interesse em denunciar – os soviéticos. Portanto, se os soviéticos ficaram calados, isso prova que os americanos foram mesmo à Lua. E ponto final”. A conspiração se alimenta de um possível segredo que poucos teriam a capacidade para entendê-lo ou decifrá-lo e, por causa dessa mesma indestrutibilidade, “quanto mais vazio, mais potente e sedutor, numa ameaça que jamais será revelada ou contestada – e justamente por isso transforma-se em instrumento de poder.”
Di Cesare discorda dessa leitura de Eco, pois acredita que ela é ainda muito influenciada pela filosofia de Karl Popper, excessivamente racionalista e exposta em termos políticos no clássico A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1948), cuja tese, entre outras, é a de que as teorias da conspiração são arcabouços irracionais que tentam explicar, de forma ingênua, o enigma que é viver na confusão cotidiana. O Complô no Poder combate esta dicotomia porque a pensadora italiana sabe que a conspiração não é apenas um privilégio da direita amalucada, mas também da esquerda que idolatra a ciência e a técnica como se fossem a panaceia para problemas infinitamente complexos.
Afinal de contas, ela reconhece que o pensamento conspiratório sempre projeta intenções maléficas para o “outro”. O scholar Richard Landes afirma, em Heaven and Earth, um estudo sobre o impacto dessas seitas na sociedade moderna, que o paranoico passa a crer que “nós somos os bons – os bem-intencionados, as vítimas inocentes, necessitados de eterna proteção contra as agressões exteriores” – enquanto “eles são os malvados – maliciosos, implacáveis e que jamais pararão para ter o poder absoluto e assim prejudicar o resto do mundo”. Ao projetarem o mal nos seus semelhantes, os crentes conspiratórios se eximem de qualquer culpa e responsabilidade, surgindo daí a ausência de autocrítica em tal tipo de raciocínio.
Com seu pequenino, mas elucidativo, livro Donatella Di Cesare conclui que uma teoria da conspiração é sempre a narrativa que justifica purgar os seus próprios conspiradores. Basta saber se essa purgação consumirá o nosso mundo para algo melhor ou pior. E é uma pena que a segunda opção parece ter se tornado o “novo normal”.
No Ar: Show de Notícias