Quarta-feira, 04 de Dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 3 de dezembro de 2024
Desde que assumiu o comando do Exército em 21 de janeiro de 2023, após o ataque às sede dos Três Poderes, em Brasília, o general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva e muitos integrantes do Alto-Comando ouviam de seus colegas recriminações sobre a existência de um “certo exagero” nas prisões e condenações dos que foram apanhados em Brasília, nas horas que se seguiram à intentona bolsonarista. Esse estado de espírito mudou.
Não em relação aos civis submetidos a penas de 14 a 17 anos de prisão, após terem sido abandonados pelos que os insuflaram e conspiraram contra seus comandantes, tornando letra morta a lealdade, a disciplina e a honra vividas dentro da hierarquia da instituição militar. Estes – os civis processados – ainda despertam um sentimento de comiseração entre os generais. Exatamente o contrário do que expressam, agora, em relação aos antigos colegas flagrados pela Polícia Federal, cujas condutas foram descritas no relatório do inquérito sobre o golpe, que acusou Jair Bolsonaro.
São 24 os militares entre os 37 indiciados pela PF – 16 deles eram da ativa, na época dos fatos –, entre os quais seis oficiais generais, cinco do Exército e um da Marinha. Há ainda um ex-oficial – Airton Barros. Ao todo, 62 militares da ativa e da reserva são enumerados no relatório final. Ou seja, a maioria não foi alvo de indiciamento, pois não teria praticado crime, apenas externado sua opinião – ainda que de forma imprópria – aos colegas em mensagens e documentos. Entre estes, estão os 18 signatários da Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro.
O inquérito do Golpe e a Operação Contragolpe demonstraram que a PF se debruçou sobre a conduta de 78 oficiais, 16 dos quais listados exclusivamente na medida cautelar da operação, que mandou para a cadeia quatro militares e um policial federal. Os federais, no entanto, deixaram de capturar alguns fatos, cujos significados não passaram despercebidos pelos chefes da Força Terrestre. Muitos generais se debruçaram sobre as 884 páginas do relatório do inquérito do golpe, uma leitura incômoda e desagradável, mas necessária – a coluna ouviu cinco deles, três de Exército e dois de divisão. Todos testemunharam de perto os eventos de 2022.
E tiraram algumas conclusões da leitura dos autos: independentemente do que for decidido pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, ou do que decidir o Supremo Tribunal Federal, a Força Terrestre, no que diz respeito à honra, deve punir todos os envolvidos. Os Conselhos de Justificação devem atingir oficiais como Walter Braga Netto, o general apontado como o chefe político-estratégico do golpe; o general Mário Fernandes, considerado o chefe tático-operacional da empreitada, o homem que dizia: “Estou Aloprando”. E, por fim, os coronéis, como Bernardo Romão Côrrea Netto e Mauro César Cid.
As provas de quase uma dezena de crimes na execução de duas operações
Romão Neto e Cid são vistos como os principais artífices da mobilização de seus colegas das turmas de 1997 (de Côrrea Netto) e de 2000 (de Cid) da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) para a execução de duas operações. A primeira foi a Copa 2022 – a neutralização do ministro Alexandre de Moraes – e a segunda, a operação psicológica para atacar os integrantes do Alto-Comando do Exército (ACE), que resistiam à ação de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. A coluna não conseguiu contato com as defesas dos oficiais investigados. Braga Netto nega o golpe. Cid confessou sua participação nos fatos.
Em suas conversas, os generais veem emergir do inquérito, desta vez, possíveis provas da prática de quase uma dezena de delitos. Há ali alguns comuns, como o uso de documento falso ou a suspeita de peculato, e outros propriamente militares, como possíveis reuniões ilícitas (art.165), a incitação à indisciplina (art. 155), o aliciamento para a prática de crime militar (art. 154), a crítica indevida (art. 166) e até mesmo duas operações militares feitas à revelia do comando (art.169). Todas essas condutas podem ser vistas pela PF como crimes meios necessários à execução do crime fim: o golpe de Estado.
Mas o pior para os generais foi a deslealdade à instituição e aos seus comandantes, aspectos ligados diretamente à honra militar. A fratura entre os que colocaram interesses pessoais acima daqueles do Exército e da Pátria parece não ter conserto. Braga Netto, Mário Fernandes, Romão Corrêa Neto e Cid seriam pessoas que apunhalaram os colegas pelas costas. Executam operações clandestinas e criminosas. Como poderiam levar os filhos de brasileiros à guerra? Daí a necessidade do Conselho de Justificação, cujo resultado tem de ser homologado pelo Superior Tribunal Militar (STM).
O comandante do Exército, general Tomás, e o chefe do Estado-Maior, Richard Nunes, decidiram que todos os envolvidos serão submetidos a tribunais de honra. Na cerimônia de recepção dos generais recém-promovidos, entre os quais o general Pedro Montenegro, futuro comandante militar do Sudeste (CMSE), ocorrida na quinta-feira, dia 28, o general Richard afirmou:
“Nossa comunicação estratégica tem sido confrontada por falsas notícias, conteúdos distorcidos, meias-verdades, postagens difamatórias, confundindo informação e desinformação, o que exige talento, serenidade e rigor para a preservação da nossa coesão, da hierarquia e da disciplina, e dos princípios e valores sobre os quais foi construída a reputação do Exército como genuína instituição de Estado”. Foi esse clima que muitos dos generais identificam como uma das causas para que tantos fossem capturados pelo discurso golpista. (Análise/Marcelo Godoy/O Estado de S. Paulo)
No Ar: Pampa Na Tarde