Domingo, 09 de Março de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 7 de março de 2025
Por Paula Silveira Triches
Como advogada previdenciarista, uma das minhas maiores frustrações é receber laudos periciais do INSS e da Justiça dizendo que meus clientes não têm incapacidade para o trabalho. Isso não é apenas uma questão jurídica ou burocrática; é um drama humano. Na teoria, deveria ser simples provar que alguém não pode mais trabalhar devido a problemas de saúde. Na prática, a realidade é bem diferente e extremamente injusta.
Sei também que tudo é relativo e precisa ser provado. No entanto, a revolta acontece quando você vive a realidade dos clientes e sabe que eles estão, de fato, extremamente doentes. Muitas vezes, o próprio médico particular ou do SUS que acompanha este paciente emite um laudo descrevendo claramente o seu problema e afirmando que ele está incapaz.
Ocorrem também problemas com a atualização dessa documentação, pois o paciente que ganhou um período permanece incapaz. Todavia, quando remarca a perícia, não consegue atualizar os laudos, atestados e exames a tempo. Sabemos muito bem que o Sistema Único de Saúde demora para a marcação dessas consultas e exames.
O SUS é conhecido como um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo, mas, na verdade, é também um dos mais sobrecarregados. Os pacientes, especialmente aqueles que dependem exclusivamente dele, enfrentam consultas rápidas, trocam de médicos a cada atendimento e quase nunca conseguem documentos detalhados que expliquem claramente sua condição de saúde. É um verdadeiro sofrimento conseguir provas sólidas para apresentar ao INSS.
Se pensarmos que os médicos do SUS são regulados pelo governo, o INSS, por sua vez, é do governo e os peritos médicos do INSS também são do governo. Assim sendo, não seria lógico considerar suficiente a avaliação feita pelo SUS, que já conhece o paciente? Se o médico do SUS, que atende regularmente o paciente, já sabe da sua real condição de saúde, por qual razão o paciente precisa passar por uma nova perícia no INSS? Esta dupla avaliação gera uma contradição, uma vez que o mesmo governo, que reconhece a doença em um sistema (SUS), ignora-a no outro (INSS). Essa incoerência produz um efeito cascata cruel, pois, mesmo com os laudos do SUS, os peritos do INSS alegam falta de “provas suficientes”. A consequência é brutal: pessoas que realmente precisam de ajuda são deixadas sem o mínimo para sobreviver.
Por este problema, as pessoas acabam buscando seus direitos na Justiça e, a meu ver, o que mais aparece não é justiça, e sim injustiças. Laudos periciais com justificativas genéricas e inadequadas, frequentemente afirmando que o paciente não tem incapacidade atual por apresentar “patologia compensada” ou “sem sinais de agudização”. Laudos mal formulados, quesitos não respondidos e sentenças lamentáveis. Uma sensação ruim, pois sentenças frequentemente concluem pela existência de plena capacidade laborativa com base nesses laudos. Recursos que não são providos. E, ainda mais grave, muitas vezes estamos falando de problemas de saúde sérios, cidadãos que ficam quase 10 horas por dia em pé, com dores fortes, porém sem exames atualizados.
Outro ponto revoltante é a postura de muitos peritos médicos, tanto do INSS quanto da Justiça. Frequentemente, recebemos laudos rápidos, mal fundamentados e falhos, que ignoram por completo a realidade sofrida dos segurados. Parece que a velocidade e o volume de casos valem mais do que a análise cuidadosa e justa da condição de saúde dessas pessoas.
É importante entender que esse problema não é culpa apenas dos médicos ou dos peritos. É uma questão estrutural profunda. O sistema não considera que as pessoas precisam de documentos médicos sólidos para conseguir seus direitos básicos.
Como advogada, fico constantemente frustrada ao ver meus clientes sofrendo enquanto o sistema falha em fornecer algo tão básico como um laudo médico adequado. Precisamos falar sobre isso urgentemente. É preciso exigir mudanças profundas, seja na capacitação dos profissionais do SUS para fornecerem documentos mais detalhados, seja no próprio sistema do INSS, para que reconheça a realidade além da burocracia, ou até mesmo no próprio Judiciário, para que não se torne apenas uma máquina de decisões rápidas onde a sorte, e não a justiça, determina o resultado.
A incapacidade pode parecer invisível para o sistema como um todo, mas, para quem vive essa realidade dolorosa, ela é muito real. E isso precisa mudar.
Advogada previdenciarista
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