Sexta-feira, 22 de Novembro de 2024

Home Colunistas Lembranças que ficaram (12): Prestes… e o meu cavalo?

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Quando a Usina hidrelétrica de Ijuí no rio Potiribú ficou pronta, lá por volta de 1923, era Interventor (Prefeito) o Coronel Antônio Soares de Barros, o Coronel Dico (anos depois dono da Casa DICO em Porto Alegre). Meu avô materno João Baptista Bós Filho, o Joanim, (hoje nome de rua e do aeroporto de Ijuí) até então com seu “locomóvel” fornecia eletricidade para seu negócio e para parte da cidade. Com a Usina, a cidade consumia apenas 1/3 da energia que ela produzia. Então meu avô se propôs a comprar essa sobra da municipalidade e vendê-la para a vizinha cidade de Santo Ângelo, carente de luz. Conversa vai conversa vem, foi ‘tiro dado e bugio deitado”. Negócio fechado com as duas municipalidades, ele tinha que construir a linha de transmissão da Usina até Santo Ângelo. Precisava um engenheiro e um serviço de topografia e projetar a logística da construção. A ‘linha’ teria que seguir próxima da estrada que ligava as duas cidades. Tinha a Estrada de Ferro, mas esta além de muito ‘serpenteada’ não oportunizava a logística necessária. Então indicaram ao meu avô, um Engenheiro-Capitão do Exército em Santo Ângelo. Se encontraram, conversaram e se acertaram. O tal Capitão-Engenheiro era, nada menos, que Luiz Carlos Prestes, que viria se tornar, mais tarde, conhecido mundialmente como “Cavaleiro da Esperança” liderando a “Coluna Prestes”. Precisava montar o 1º Acampamento da Obra. Uns 2 km depois da usina em direção à Santo Ângelo, na localidade chamada “Linha 1”, morava uma sobrinha de meu avô de nome Christina casada com João Vontobel que era filho de um proeminente empresário em Ijuí de nome Jacob Vontobel que junto com o meu avô, com o Coronel Dico, com Emilio Bührer, Olinto Ramos Queiroz, João Kopf, haviam fundado a Associação Comercial de Ijuí. Assim foi fácil conseguir licença para que o Prestes instalasse no Potreiro do João Vontobel, seu 1º acampamento (dos muitos que teve) para iniciar a construção da Linha.

Para registro histórico esse casal (João e Cristina Vontobel) acabou se tornando pais e avós de uma série de grandes empresários gaúchos que se destacaram e deram emprego para milhares de pessoas. Seus filhos Arno, João Jacob, Otto, Henrique, Zilah, Nilza e Otomar Vontobel foram os donos da Minuano Limão, da Laranjinha, da Soda Laranja, da Fonte Ijuí, da Água Cristal, da MUMU, da Doces Cardeal, do Guaraná Kuat, do Guaraná Charrua, da Grapete e, via sua holding VONPAR, foram donos da marca Coca-Cola no RS. Hoje são donos da Chocolates Neugebauer, empresa que compraram e mantiveram o nome de seu fundador o imigrante alemão Ernesto Neugebauer. Gente empreendedora e de fibra.

Quando o Prestes encerrou esse acampamento e foi instalar o 2º, adiante da localidade de Chorão, ele levou junto com as tralhas e coisas de seu acampamento, um lindo e bem tratado cavalo puro sangue do meu tio Marino Bós, que estava no potreiro do João Vontobel,… e nunca mais devolveu… e nada mais se soube do cavalo. Meu tio Marino, ainda rapazote na época, ficou muito brabo… e não esqueceu. A Linha foi concluída e o excedente produzido naquela então grande usina era enviada para Santo Ângelo. Os anos passaram. Na última vez que passei por Ijuí, lá por 2003, fui até a Velha Usina e ainda vi no painel de comando uma chave e a plaquinha “Linha para Santo Ângelo”.

Prestes e meu avô, embora não comungassem das mesmas ideais políticas, se tornaram bons amigos e um dia Prestes se revoltou e deu início a ‘Grande Marcha’ da Coluna Prestes e deram-lhe o cognome de “Cavaleiro da Esperança”. Tá na história. Fez o que fez, lutou pelo que acreditava, longes terras percorreu e longos anos se passaram. Mais de 60 anos depois, quando o Prestes já velhinho vivia tranquilo no Brasil, meu tio Marino foi visitá-lo (visita de afeto e recordações) e depois de longos ‘papos e histórias mil’, tio Marino ‘não deixou barato’ e o inquiriu: “Prestes…e meu cavalo?…” Diz que ele riu, olhou pro Marino e disse: “Teu cavalo me foi muito útil. Agradeço ao teu pai que afinal deixou o cavalo ficar comigo e depois da obra, seu lombo me serviu de assento na minha longa marcha pelo Brasil. Ele era bom”. Pouco tempo depois, Prestes morreu. Na próxima quarta-feira, em LEMBRANÇAS QUE FICARAM (13), contarei a história da “Águia Que Me Enfrentou e Riu da Minha Cara”.

(Luiz Carlos Sanfelice é advogado jubilado, auditor, ex-Diretor Comercial e Vice-Presidente de multinacional MSA. E-mail: lcsanfelice@gmail.com)

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