Sábado, 23 de Novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 4 de agosto de 2024
Atletas transgênero e intersexo ainda enfrentam um cenário de incerteza em grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de Paris. O caso da boxeadora argelina Imane Khelif está no centro dessa polêmica.
Ela venceu a luta contra a italiana Angela Carini na última quinta-feira (1º). Carini, que desistiu do combate após 46 segundos de luta, explicou que o abandono não teve nada a ver com a situação envolvendo a adversária. Mesmo assim, as boxeadoras foram alvo de fake news que afirmavam que Carini havia deixado a luta porque a adversária seria uma atleta transgênero.
Em nota, o Comitê Olímpico Internacional (COI) afirmou que “toda pessoa tem o direito de praticar esportes sem discriminação”, afirmou que “as duas atletas têm participado em competições internacionais de boxe por muitos anos na categoria feminina” e classificou como “enganosas” publicações questionando a legitimidade de Khelif.
Imane Khelif não é transgênero. Khelif se identifica como mulher e cresceu como mulher. De acordo com o presidente da Associação Internacional de Boxe (IBA), Umar Kremlev, exames feitos pela associação mostraram que a atleta teria cromossomos XY (normalmente associados ao sexo masculino), o que a classificaria como pessoa intersexo. Apesar disso, Khelif nunca falou publicamente sobre o caso.
Pessoas intersexo são aquelas que nasceram com alguma variação hormonal que não se encaixa nas normas médicas para corpos do sexo feminino ou masculino. Antigamente, era utilizado o termo “hermafrodita”, que, além não estar correto do ponto de vista biológico, é considerado ofensivo.
Algumas pessoas com a condição têm órgãos genitais femininos, mas têm cromossomos sexuais XY e níveis de testosterona no sangue compatíveis com o corpo masculino. É o caso, por exemplo, da corredora sul-africana Caster Semenya, que foi impedida de disputar as olimpíadas de Tóquio em 2021.
Khelif estava liberada para competir? O que define se atletas com variações intersexuais podem ou não participar de competições esportivas são as normas das federações de cada modalidade esportiva. A Associação Internacional de Boxe (IBA), por exemplo, tem regras mais rígidas, que impediriam atletas com cromossomos XY de competir em eventos femininos. Apesar disso, Imane Khelif pôde competir porque a IBA foi banida pelo COI em 2023.
A primeira atleta trans a participar de uma competição olímpica na categoria de gênero com a qual se identifica foi a neozelandesa Laurel Hubbard, no levantamento de peso, em Tóquio. No mesmo ano, a seleção feminina de futebol canadense tinha na equipe Quinn, atleta que teve autorização para continuar no futebol feminino mesmo após se declarar uma pessoa transgênero e não binária – que não se identifica nem com o gênero masculino, nem com o gênero feminino.
Apenas dois atletas transgênero se classificaram para competir nas Olimpíadas de Paris: Nikki Hiltz, no atletismo, e Quinn, no futebol canadense.
Tanto Hiltz quanto Quinn são pessoas trans não binárias. Isso quer dizer que elas não se identificam 100% nem com o gênero feminino, nem com o gênero masculino.
Uma pessoa trans não necessariamente é alguém que transicionou de homem para mulher ou vice-versa. Pessoas não binárias também são pessoas transgênero.
Quinn e Nikki foram designadas como mulheres ao nascer e disputam medalhas na categoria feminina, ainda que não se identifiquem com o gênero.
Quem pode participar?
Em 2021, o COI órgão lançou uma cartilha (ainda em vigor) com dez princípios para “promover a igualdade de gênero e inclusão”.
Entre outras determinações, segundo as diretrizes do COI:
* Cabe a cada federação esportiva criar suas regras, que podem variar conforme o esporte;
* O atleta tem direito de contestar a Federação Internacional no Tribunal Arbitral do Esporte.
Em entrevista ao portal de notícias g1, Joana Harper – mulher trans, ex-atleta e uma das maiores autoridades no assunto – conta que o documento, que ela ajudou a redigir, era baseado em um critério objetivo: o nível de testosterona no sangue dos atletas.
“Mulheres trans tinham que reduzir a testosterona a um valor específico e mantê-la assim por 12 meses antes de competir. A política foi amplamente adotada por várias das federações desportivas”, explica Harper.
Apesar de o nível de testosterona ter sido adotado como critério por grande parte das federações, ele não é consenso na comunidade científica. Waleska Vigo, pesquisadora na área de gênero e esporte olímpico, explica como testes que levam em conta fatores como este podem excluir atletas intersexo.
“Tem gente que tem a testosterona elevada, mas tem uma mutação nesse receptor que faz com que ela não tenha efeito no corpo. Tem atletas com a testosterona lá em cima, mas esse efeito não se dá na prática”, aponta Vigo, que é doutora pela Escola de Educação Física e Esporte da USP.
A pesquisadora relembra ainda o caso da ex-jogadora de vôlei Erika Coimbra, que foi reprovada no teste de gênero na Olimpíada de Sidney, em 2000, devido a uma condição chamada “Síndrome de Morris”, que eleva os níveis de testosterona no corpo. Na época, Erika teve de provar pela certidão de nascimento que era uma mulher cisgênero.
No Ar: Pampa Na Madrugada