Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2024

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No livro, “A cabeça do brasileiro”, Alberto Carlos Almeida fez uma radiografia de nitidez impressionante sobre o que pensamos. A obra fala da ética do brasileiro, e reserva um espaço especial para a questão do comportamento moral dos aqui nascidos em relação a vários temas do nosso cotidiano.

No momento em que a agenda de costumes é trazida para a arena do debate nacional, e a reflexão ética ganha destaque a partir do comportamento dos homens públicos, é oportuno investigar um pouco mais o assunto. Você é a favor da corrupção, pergunta o autor: “claro que não”, assegura o entrevistado. E, por acaso, já se utilizou pelo menos uma vez na vida do “jeitinho brasileiro”? Sem dúvida que sim, responde o cidadão.

Esse entendimento sobre os limites aceitáveis acerca da boa ou da má conduta é bastante revelador. Pela ótica da pesquisa de Almeida, pequenas concessões morais não configurariam corrupção, assim como furar uma fila, estacionar em local proibido, comprar um diploma universitário, fazer um “gato” para a luz elétrica ou assinatura de TV pirata, consumir produtos contrabandeados…

A lista é longa, e é um exemplo nítido da malemolência moral que nos acomete. Temos um modo peculiar, e bem longe de imperativos categóricos, para julgar eticamente os nossos comportamentos, com longos dedos a apontar para os erros dos outros e bastante cautela em fazer uma autocrítica sobre nós mesmos.

Poderíamos dizer que nossa ética é de conveniência, na qual o improviso do “jeitinho brasileiro” se apresenta como uma alternativa para “ir tocando a vida”, equilibrando as ações no limite das normas sociais, da criatividade e da corrupção. Mas o problema exige muito mais do que compreender essa certa condescendência com determinadas transgressões, especialmente quando o nosso objetivo é avaliar criticamente de que modo nossos representantes políticos agem no trato da coisa pública.

Em um mundo que fosse claramente dividido entre o certo e o errado, entre a corrupção e o “favor”, entre o bem e o mal, seria muito mais simples exercitar o nosso livre arbítrio moral. Entretanto, essa dicotomia não é absoluta, nem definitiva. Há uma diversidade de situações que contrastam, sombreiam, contradizem e tornam a escolha moral um exercício não binário, mas complexo e ambíguo.

O que dizer desse mundo em que uma zona nebulosa nem sempre deixa claro os limites a serem observados, no qual nossas preferências políticas, nossos interesses pessoais, nossa cultura e nosso contexto e circunstâncias tornam vacilante o julgamento que fazemos? Vários sociólogos, antropólogos e outros estudiosos se debruçaram para escrutinar quem de fato somos, o que permitiria, sociologicamente pelo menos, certo conforto em relação às nossas decisões mais polêmicas.

Há versões variadas, algumas mais ácidas, outras mais edulcoradas. Segundo o sociólogo Ivann Lago, no mundo real, o brasileiro é preconceituoso, violento, semiletrado. É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto. Esses atributos, nada edificantes, obviamente contrastam com a visão ainda presente no imaginário do brasileiro, de que somos um povo cordial, bem-humorado, acolhedor, fraterno, alegre, autêntico e expansivo, revelando uma outra face de uma mesma moeda.

Se, ao mesmo tempo revelamos capacidade de adaptação e de sobrevivência, abertura à inovação, a novidades, otimistas, hospitaleiros e apegados às tradições, também apresentamos fortes traços de dispersão e impontualidade, falta de cultura geral e pouca visão sistêmica, abuso dos relacionamentos pessoais e invasão da privacidade alheia, além de falta de direito e obediência à Lei.

Como se pode depreender das análises sobre o nosso caráter, há muito mais matizes do que uma avaliação ligeira poderia supor. Não somos apenas Canudos, Pelourinho e guerra urbana, bem como não nos resumimos a Carnaval, Samba e Círio de Nazaré.

O amálgama desse País contraditório e complexo se defronta agora com uma das eleições mais polarizadas já vivenciadas no Brasil. Quais dos matizes prevalecerão?

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