Sábado, 23 de Novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 30 de dezembro de 2021
É chegada a reta final do ano e há quem esse momento para traçar as famigeradas metas de ano-novo, as quais, não raro, são as mesmas de anos anteriores. Se você se identificou, provavelmente faz parte da maioria das pessoas que não cumpre os objetivos estabelecidos para o período. Segundo estudo da Universidade de Scranton, na Pensilvânia (EUA), apenas 8% conseguem concretizar o que idealizou. E se a solução fosse simplesmente não fazer resoluções de ano-novo?
Embora adotadas para nortear objetivos futuros, de ordem pessoal ou profissional, as listas de metas podem se tornar verdadeiros gatilhos para sofrimentos mentais, como ansiedade, burnout e até depressão, que cresceram na pandemia. Por isso, nem sempre são consideradas uma boa estratégia para todos, de acordo com Guilherme Navarro, psiquiatra clínico e forense e professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana (FASEH), em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).
“É problemático pensar que a gente precisa das metas e estabelecer isso enquanto uma unanimidade. Algumas pessoas vão estar em momentos em que façam sentido tê-las, outras não. Quando se coloca isso como algo generalizado, sentimos certa obrigação de funcionar e de pensar dessa forma, o que pode ser fonte de sofrimento”, explica Navarro.
A frustração vem, muitas vezes, quando a decisão de se traçar metas parte de introjeções sociais e não de desejos genuínos do indivíduo, o que torna ainda mais difícil cumprir o estabelecido e pode causar sensação de vazio. Isso explica aquelas pessoas que, não se sentindo realizadas, acabam a cada ano criando resoluções ainda mais difíceis de serem alcançadas.
Há também questões subjetivas que impedem a realização dos objetivos, ainda que estes estejam em consonância com os desejos mais profundos e internos, como a pandemia e o desemprego. Ou seja, nem todos têm condições materiais e estruturais para concretizarem o que idealizaram. “As oportunidades e as possibilidades não são distribuídas igualmente. Cada pessoa tem o seu tempo e está tudo bem”, salienta o professor.
Foi o que observou Ligia Baleeiro, de 37 anos, que após várias listas frustradas decidiu não traçar mais metas nesta época do ano. “É um momento emocional, quando a gente tem muita esperança e por isso se sente motivado a ser melhor e a fazer novos planos. Embalados por esse clima, acabamos por elaborar projetos grandiosos e vagos demais.”
Especialista em comportamento e neurociência pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), ela hoje se propõe a fazer autodesafios, normalmente de curto prazo e que são mensuráveis. Foi assim que conseguiu aprender a dirigir recentemente. “Essa era uma meta que voltava todo ano e nunca se concretizava”, lembra.
A virada de chave se deu quando Baleeiro se identificou como uma pessoa perfeccionista e começou a quebrar as suas metas em objetivos menores. “Tenho um planejamento mais estruturado de como vou fazer e não fico só num ideal. Antes, desistia quando via que não iria dar certo ou não estava num cenário perfeito. Hoje, revejo a rota e vou tentando até conseguir”, destaca a especialista, que tem um perfil no Instagram em que dá dicas sobre mudança de comportamento.
Vá no seu tempo
De acordo com Guilherme Navarro, o padrão de felicidade e sucesso é influenciado pela forma como a sociedade se organiza no sistema de trabalho, baseado em tópicos e metas. “Temos que alcançar mais e mais, como se fosse uma grande competição, que também pode ser fonte de aflição e angústia. Se não tomarmos cuidado, nos tornamos nosso próprio chefe, nosso próprio empregado e estabelecemos padrões que não têm tanto a ver com o que almejamos enquanto realizações pessoais.”
Os desejos são inerentes aos seres humanos, mas, segundo o professor, não precisam ser estabelecidos no tempo empresarial. Ou seja, não significa deixar de ter metas, mas é não colocá-las em velocidade e importância generalizada para todos, porque o tempo, as possibilidades e as dificuldades das pessoas são diversas.
“É engraçado que, no feriado de fim de ano, que era para ser um momento prazeroso, o indivíduo já está pensando de forma acelerada no próximo ano e na próxima meta”, ressalta o psiquiatra. “Posso não conseguir cumprir um desejo em 2022 e ficar em paz com isso. Não é um fracasso deixar de fazer algo num tempo específico.”
Entenda que tropeços irão surgir
Assim, antes de estabelecer novas resoluções, é preciso perguntar se elas fazem sentido no momento atual de vida e se, dentro das possibilidades subjetivas e materiais, são possíveis de serem realizadas. Nesse sentido, é preciso ter calma e perceber que tropeços podem acontecer.
Essa é a dica de Tiago Henriques, de 32 anos, criador de conteúdo e autor do livro ‘Erra Uma Vez (editora Belas Letras), lançado em outubro deste ano, que traz reflexões sobre as inseguranças criativas e a busca pela perfeição.
“Comecei o ano passado com projetos demais e um deles era um livro, que exige muita dedicação. Precisei realocar para a frente outra ideia que havia me deixado empolgado e reduzir a carga. Fiquei tranquilo com isso. Os erros, pausas e reajustes fazem parte do processo e não devem ser usados como justificativa para a desistência”, destaca.
Em seu perfil no Instagram, denominado Tira do Papel, Tiago dá dicas sobre como começar a criar constância, respeitando a saúde mental. Segundo ele, é comum começar o ano motivado, mas é preciso inserir hábitos sustentáveis à rotina para que as metas sejam concretizadas. Isso significa sair do plano dos desejos e traçar ações, que envolvam planejamento e autoconhecimento, até mesmo para entender o que não deu certo e como melhorar no ano seguinte.
“Antes, eu simplesmente olhava para o ano-novo e escrevia o que queria, mas quando aplicava não dava certo, porque faltava um plano de ação. Faltava quebrar em metas menores e fazer disso um projeto prático, com passo a passo, programação e, inclusive, preparação para os dias em que não há motivação. Afinal, é tudo sobre o processo e não sobre o objetivo final”, diz.
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