Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 9 de dezembro de 2021
A necessidade de justiça é um dos sentimentos mais caros aos seres humanos. Empiricistas e inatistas se dividem sobre a origem da moralidade, indagando se já nascemos com o senso moral pré-configurado ou admitindo sermos uma folha em branco, conforme acreditava John Locke. O fato é que as transgressões e a quebra de regras sociais estão na base da discussão sobre o certo e o errado. Assim, desde cedo, em nossas interações e interconexões, fortalecemos a noção sociocêntrica, situando a demanda de instituições e grupos em primeiro lugar, uma vez que as sociedades precisam definir sob que tipo de ordenamento devem operar. Isso pode ser observado numa simples brincadeira entre crianças, bem como numa complexa negociação empresarial. Nessa linha, é sempre tempo para avaliar até que ponto os agentes públicos estão em conformidade com aquilo que atende aos princípios acordados, tácitos ou explícitos, e de forma diligente, enquadrá-los junto à logica de que tão mais forte será uma sociedade, quanto mais robustos são os laços que sustentam a trama do tecido de convivência social.
No Brasil, a questão ética nos fornece motivos concretos para preocupações. Existem sinais inquietantes de que o País retrocede, e um dos exemplos mais acachapantes foi o final lastimoso da operação Lava Jato, até então considerada uma das maiores operações anticrime do mundo. Mas não é apenas isso. É desolador quando se veem também os avanços que poderiam consolidar um importante legado serem inexoravelmente afrouxados. Após os grandes movimentos populares de 2013, quando o povo foi em massa às ruas, houve certa empolgação com um Brasil diferente, um Brasil no qual os crimes, especialmente aqueles perpetrados pelo colarinho branco, teriam um tratamento justo. Pouco a pouco, porém, vimos naufragar o pacote anticrime proposto por Sérgio Moro, desfigurado pelo Congresso, sob o silêncio complacente do Planalto. A prisão após condenação em segunda instância somente agora foi pautada, e o foro privilegiado é uma afronta para uma democracia minimamente equilibrada no tratamento aos seus cidadãos. Houve também o abrandamento da lei de improbidade, e uma série de outros sinais indicando que caminhamos de volta ao passado, com ainda maiores vantagens para quem burla a Lei.
Todos esses episódios denotam a virulenta reação dos atingidos pela Justiça, durante esse curto período no qual nossa indecente e histórica impunidade foi atacada. Como esperado e de modo semelhante ao que ocorreu na Itália, após a operação Mãos Limpas, o “mecanismo” tão bem capturado pelo arguto cineasta José Padilha, entrou em ação, e impediu que a justiça fosse feita com aqueles historicamente protegidos pelo eterno véu de impunidade que nos cobre e envergonha. Não se trata, entretanto, de se fazer justiça a qualquer custo, mas não é também aceitável uma inversão completa dos fatos, onde a mentira sobrepuja a realidade com despudorada naturalidade. É impossível não se indignar diante do enorme volume de provas e evidências que mostraram ao Brasil e ao mundo o tamanho do assalto ao erário, perpetrado por agentes públicos e privados, conforme revelaram as 79 fases da operação Lava Jato, e os mais de R$ 22 bilhões a serem devolvidos aos cofres públicos, cuja materialidade é tão explícita quanto aterradora.
O atual quadro de retrocesso ético e moral não permite que se visualize uma solução rápida e eficaz. Pelo contrário, por ser sistemática e cultural, a corroída estrutura de funcionamento do Estado brasileiro e da cultura do “jeitinho” vai requerer uma mudança profunda, ampla e coordenada. Será preciso fortalecer as Leis anticrime e de combate à corrupção, aprimorar o funcionamento da Justiça e dos órgãos de controle e contar com ampla mobilização popular. Os detratores da probidade querem apagar o passado e ter a garantia de impunidade futura. O silêncio e a omissão dos bons é tudo o que a banda podre mais deseja, num banquete sinistro no qual solapam o futuro do País e se nutrem com o veneno da impunidade.
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