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Por Redação Rádio Pampa | 23 de dezembro de 2023
A fronteira terrestre entre a Guiana e a Venezuela tem sido alvo de disputas desde o período colonial, há quase 200 anos. Mas a descoberta de um vasto campo de petróleo na costa guianesa, em 2015, adicionou novos contornos a essa briga histórica, transformando-a, por procuração, numa disputa também pelo mar.
Com uma área de aproximadamente 160 mil km2, a região do Essequibo é majoritariamente constituída por uma selva quase impenetrável. No entanto, controlar essa área — que hoje responde por dois terços do território da Guiana — daria à Venezuela o direito de também explorar um litoral cujo potencial de produção é estimado em 10 milhões de barris. São justamente recursos como esses escondidos debaixo de centenas ou milhares de metros de água, que estão por trás de disputas que se arrastam há décadas entre diversos países e, em alguns casos, têm contribuído para um acirramento de tensões internacionais.
Tamanho potencial faz com que sejam necessárias regras bastante claras de divisão territorial dos mares. Segundo especialistas, cerca de 40% de todas as fronteiras marítimas do mundo ainda hoje são disputadas — 180 das 460 fronteiras em mares e oceanos possíveis no planeta estão no centro de controvérsias entre dois ou mais países.
“As fronteiras marítimas, ao contrário das terrestres, ainda estão em processo de demarcação, o que tem levado ao aumento das tensões entre os países em meio a uma tendência de crescente importância dos mares, tanto do ponto de vista econômico como militar”, disse o almirante da reserva Antônio Ruy de Almeida Silva, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest/UFF). “Nos últimos anos, o mar deixou de ser somente via de comércio para também se tornar fonte de produção.”
Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, aproximadamente 90% de todo o comércio internacional é realizado por via marítima, enquanto 99% das transmissão de dados de comunicações dependem de cabos submarinos. Estima-se ainda que os setores ligados ao oceano contribuam com US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 7,4 trilhões) por ano em valor agregado para a economia global, sustentando cerca de 31 milhões de empregos. Os mares também respondem pela subsistência de mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a ONU.
Problemas à vista
Desde 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece, entre outros aspectos, que todos os Estados costeiros têm direito a 200 milhas náuticas de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), o que na prática significa permissão para explorar os recursos vivos e não-vivos das águas e do subsolo de uma área que se estende por cerca de 320 km em linha reta a partir da costa.
No entanto, embora tenha servido de base para organizar a soberania dos países nos mares, o documento da ONU, que vigora desde 1994, “pouco fez para ajudar a resolver o problema que surgiu como consequência: as reivindicações marítimas sobrepostas e disputas de limites entre os Estados”, pondera Andreas Østhagen, professor associado de Relações Internacionais no Fridtjof Nansen Institute da Noruega, em artigo de 2021.
Entre as principais disputas estão os limites do Mar do Sul da China, uma área de 3,5 milhões de quilômetros quadrados que se estende de Singapura ao Estreito de Taiwan, no Pacífico.
Pequim alega que 90% do mar, incluindo grupos de ilhas e águas também reivindicadas por partes vizinhas, são seus. O país usa a Linha das Nove Raias para definir suas reivindicações marítimas na região, cujo traçado diz ser baseado em atividades históricas que datam de séculos atrás. Mas Brunei, Malásia, Filipinas, Vietnã e Taiwan contestam a legitimidade dessas fronteiras.
Para Maurício Santoro, cientista político, professor de Relações Internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, as disputas territoriais no Mar do Sul da China podem ser consideradas “as maiores e mais graves envolvendo limites marítimos no mundo”.
“Existem guerras que são horrendas do ponto de vista humanitário, mas que têm pouco ou nenhum efeito na economia global, como a guerra no Iêmen ou mesmo a guerra em Gaza”, afirma o especialista. “Mas no Mar do Sul da China é diferente. Uma guerra naquela região, mesmo com poucas mortes, teria um efeito econômico seria devastador e, provavelmente, lançaria o mundo numa recessão.”
No Ar: Pampa Na Tarde