Sexta-feira, 14 de Março de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 21 de maio de 2023
O anúncio do fim da emergência global da covid, feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi auspicioso, mas ainda há conclusões incômodas a tirar do pesadelo de mais de três anos. A primeira: é preciso fazer uma avaliação honesta do saldo macabro. O número de mortos divulgado por autoridades no mundo inteiro não corresponde à realidade. Estudos revelam que a pandemia de covid, mesmo tendo tido impacto menor que suas congêneres no passado, foi bem mais devastadora do que sugerem as estatísticas oficiais.
As mortes notificadas não espelham a realidade por vários motivos. Devido às redes de saúde sobrecarregadas, à prioridade aos infectados e ao isolamento, pacientes que padeciam de males como doenças cardíacas ou câncer tiveram de interromper o tratamento e morreram. Mesmo que não tenham sido causadas pelo coronavírus, tais mortes também resultam do choque da pandemia nos sistemas de saúde.
Outros problemas foram a baixa testagem, falhas de diagnóstico e a deficiência crônica na notificação de mortalidade no mundo. De acordo com a ONU, mesmo em tempos normais, apenas dois terços dos países registram mais de 90% das mortes. Há casos em que os registros não chegam a 10%. Na pandemia, a situação se agravou.
Para calcular o saldo das pandemias, a métrica consensual na epidemiologia é conhecida como “excesso de mortes”. Ela avalia quantas pessoas morreram — por todas as causas, não apenas por ação da covid — acima da média histórica no período. Dentre as várias avaliações, a mais atualizada é publicada pela revista The Economist, com dados estimados para 200 países. O total de mortos durante a pandemia de covid foi, de acordo com ela, de 2,4 a 4,3 vezes o número oficial (6,9 milhões). Ficou em torno de 21,9 milhões ou, com 95% de probabilidade, entre 16,9 milhões e 30,1 milhões.
Isso significa que o número oficial de notificações está bem abaixo do real. A discrepância varia de um país a outro. A maior foi observada na Índia, que registrou 531.794 mortes, mas apresenta um excesso de 2,3 milhões a 9,4 milhões (800%). Também chama a atenção a China, que relata 121.073 mortes, mas cujo excesso é estimado entre 450 mil e 3,4 milhões (1.200%).
O Brasil não está tão mal quanto se poderia supor considerando a desastrosa gestão da pandemia no governo Jair Bolsonaro. No período em que registrou 702.116 mortes, o excesso de mortalidade ficou entre 850 mil e 920 mil, ou 20% (mesmo patamar dos Estados Unidos, cujo excesso é estimado entre 1,3 milhão e 1,4 milhão, para 1.127.152 mortes oficiais). Uma das lições da pandemia, portanto, é que, apesar dos percalços, o sistema de notificação de mortalidade do SUS está entre os melhores do mundo.
Isso em nada alivia o impacto trágico do coronavírus no país. Os números fidedignos apenas espelham melhor a dimensão da tragédia. Como a Covid-19 mata mais certas faixas etárias e grupos demográficos, é preciso ajustar os dados para comparar desempenhos. Ponderado pela demografia, o excesso de mortes de 391 por 100 mil habitantes deixa o Brasil atrás de dois terços dos 200 países. Teria sido diferente se o governo Bolsonaro não tivesse negado a ciência e sido mais ágil nas medidas de prevenção e na vacinação. O desafio agora é evitar que na próxima pandemia — não se sabe quando, mas é certo que ela virá — tal vergonha se repita.
No Ar: Pampa Na Madrugada