Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2024

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O capitalismo do século XXI não opera mais seguindo a mesma lógica incremental que o trouxe até o início deste milênio. Os ciclos encurtaram, a integração dos mercados derrubou fronteiras e os grandes conglomerados possuem hoje um poder nunca imaginado. Tanto poder que um dos maiores expoentes desse novo modelo resolveu confrontar um dos poderes da nossa República. Elon Musk, o polêmico e bilionário CEO da Tesla e atual dono do antigo Twitter, agora “X”, foi incluído pelo Ministro do Supremo Alexandre de Moraes no “Inquérito das Fake News”, por ameaçar não cumprir determinações do STF em relação ao bloqueio de contas da plataforma sob o seu comando. O assunto está rendendo uma grande discussão sobre os limites da liberdade de expressão, tema que deveria estar acima de eventuais diferenças ideológicas, o que parece não ser o caso, uma vez que as interpretações divergem sob vários aspectos.

Como neste e em tantos outros temas, não é possível compreender a floresta olhando apenas para uma árvore. O episódio Musk se conecta a algo muito maior do que um gesto descuidado do seu autor. Nesse sentido, a forma como as críticas foram dirigidas pelo empresário naturalizado americano sugere contemplar um “modus operandi” bastante comum ao movimento engendrado pela extrema direita contra as instituições democráticas mundo afora. Contudo, importa notar que o processo ao qual assistimos não é nem tão escancarado como uma quartelada, nem tão discreto tal qual têm sido as não insuspeitas reeleições de Putin, na Rússia, por exemplo. Trata-se, de fato, de uma rara combinação entre pendores e oportunidade. Na ponta dos pendores, a extrema direita, em países como o Brasil, EUA, Argentina, Turquia, Hungria e outros, movida por suas inclinações autoritárias, farejou que havia uma brecha no modelo das atuais democracias. Esse arcabouço, tão delicado e caro aos regimes democráticos, poderia ser desmantelado de dentro para fora, com um ataque contundente, sistemático e progressivo às suas instituições.

Não à toa, todos os candidatos a ditador que emergiram nessa estrutura social marcada pela instantaneidade, fluidez e instabilidade, abraçaram e combinaram a revisitação de um passado idealizado, quer pela agenda de costumes, quer pelo nacionalismo e o saudosismo do que supostamente fora perdido, com a efervescência e a desregulamentação das redes sociais e a possibilidade de criar uma narrativa “prêt-à-porter”, ajustada aos seus propósitos. Stephen Bannon ilustra bem esse tipo de ideologia que mescla o passado a novíssimas tecnologias a serviço do estelionato eleitoral, ao operar no mundo das sombras digitais e esculpir a candidatura de Donald Trump, em 2016. A extrema direita, não apenas soube ocupar esse terreno até então inabitado, mas lá cravou bandeiras com cores que relembram, embora para muitos pareçam exagerados, os propósitos fascistas dos anos 30 e 40 do último século.

Com a estratégia da ultra direita de uso enviesado e massivo das redes com fins eleitorais, a regulamentação das mídias sociais emergiu naturalmente como um gesto de autodefesa do próprio sistema democrático. Ninguém é engolido, em sã consciência, sem reagir. Assim, debater a liberdade de expressão, a partir tão somente de uma decisão isolada do Ministro Moraes em relação a um réu eventual, apenas tangenciará a questão de fundo, que é a atual ameaça à democracia. Esse é o ponto sobre o qual a sociedade precisa se debruçar. Mais do que isso, ao usar o artifício do ataque continuado e agora personificado numa única figura, cria-se a cortina de fumaça perfeita para que a “máquina do caos” que se transformaram as redes sociais na questão das “fake news” não seja objetivamente discutida. Não é plausível que as chamadas “bigtechs” mais uma vez se esquivem de suas indelegáveis responsabilidades. O assunto, em discussão no Congresso, não pode mais ser adiado, sob pena de vermos claudicar o nosso edifício democrático tão arduamente construído, e que não pode prescindir de permanente e atenta vigilância de toda a sociedade.

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