Quinta-feira, 28 de Novembro de 2024

Home Mundo Rússia reabre palácio do último czar um século depois de seu assassinato

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Maria Ryadova se lembrou de que estava em uma sala empoeirada do Palácio de Alexandre, saltando de uma viga no chão para outra, olhando para o abismo escuro bem abaixo dela, quando ela e sua equipe fizeram uma descoberta importante.

Uma pilha de azulejos azuis quebrados estava escondida na escuridão. Ryadova sabia, por meio de fotos de arquivo em preto e branco, que esses fragmentos eram restos dos azulejos que antigamente enfeitavam as paredes daquela sala, que abrigava a piscina privativa e o banheiro do czar Nicolau II no início dos anos 1900. Mas, antes da descoberta, ela não sabia qual era a cor deles.

A descoberta desses brilhantes pedaços de cobalto e turquesa completou mais uma peça do quebra-cabeça da reconstrução da mansão imperial, que foi a casa do último czar da Rússia e de sua família. “Foi uma descoberta incrível. Eu me senti muito inspirada”, disse Ryadova, de 40 anos, que está entre os principais arquitetos envolvidos no projeto.

Com uma equipe de arquitetos e pesquisadores, Ryadova passou mais de uma década no local, trabalhando para restaurar o imponente edifício amarelo à sua glória do início do século XX, antes que a Segunda Guerra Mundial e a remodelação efetuada no período soviético o deteriorassem. Em 13 de agosto, o trabalho de Ryadova e dos demais trabalhadores foi finalmente revelado quando o Palácio de Alexandre foi aberto ao público como um museu.

Esse palácio provavelmente será a última grande mansão imperial russa a se tornar um museu, segundo a especialista em pesquisa Tatiana Andreeva. É o resultado de anos de trabalho investigativo de Andreeva, de 37 anos, Ryadova e seus muitos colegas, que recriaram o interior a partir de algumas fotos coloridas difusas, milhares de fotos em preto e branco, algumas aquarelas, várias amostras de cortinas e inúmeras memórias da vida no palácio.

Entulho

Mais de um século depois do colapso da monarquia russa com a execução de Nicolau II, sua esposa, quatro filhas e filho pelos bolcheviques em 1918, os historiadores estão trabalhando para escavar o passado imperial do país.

Para alguns, o Palácio de Alexandre se tornou um símbolo da reconciliação da Rússia com ele. “Tenho uma relação complicada com os aristocratas da Rússia pré-soviética, mas esses palácios se tornaram monumentos”, afirmou Max Trudolyubov, de 51 anos, popular blogueiro e comentarista de assuntos atuais.

Nicolau II há muito é retratado pelo povo russo como um déspota sangrento e empenhado – opressor implacável da classe trabalhadora – ou um tolo despreocupado e mal-informado que, por descuido, deixou o país cair no abismo do bolchevismo.

A reabertura do palácio vai permitir que os visitantes mergulhem em parte da história do país e façam um julgamento próprio, comentou Lev Lurie, especialista na história de São Petersburgo e da família Romanov. “O museu é um teatro, com uma peça sem atores.”

Em 2011, o Estado russo decidiu recriar a suíte privada do czar – decorada em estilo art nouveau e destruída principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, com as subsequentes reconstruções soviéticas – e fazer um museu ao redor dela. Por fim, o governo alocou mais de US$ 28 milhões para o projeto, sendo US$ 12 milhões provenientes do museu e de benfeitores privados.

Para recriar os quartos privados do czar, a equipe de Ryadova teve de refazer quase tudo: pisos de parquet de carvalho, tapetes de lã e cortinas de seda, e até mesmo as escarradeiras, que eram usadas pela família imperial e pelos cortesãos.

Originalmente construído em 1796 por Catarina, a Grande para seu neto Alexandre, o palácio fazia parte do retiro imperial em Tsarskoye Selo, amplo complexo de palácios e parques fora de São Petersburgo, a capital da Rússia na época.

Em 1905, o sobrinho-bisneto de Alexandre, Nicolau II, mudou-se permanentemente com a família para lá com a intenção de escapar da vida cada vez mais caótica e perigosa da capital, onde motins eclodiam regularmente e onde seu avô fora morto em 1881.

A escolha de Nicolau II, na véspera da revolução, de abandonar suas tropas e se reunir com sua família no Palácio de Alexandre divide muitos que estudam aquele período. Para alguns, é uma acusação: ele colocou sua família acima dos interesses do país, sobre o qual tinha poder absoluto. Mas, para muitos religiosos ortodoxos russos, a aceitação de seu destino foi uma demonstração de humildade. Em 2000, a Igreja Ortodoxa Russa o canonizou e à sua família como portadores da paixão, categoria usada para identificar crentes que suportaram o sofrimento e a morte com uma piedade semelhante à de Cristo.

Em julho deste ano, indo contra todas as restrições relacionadas à pandemia, milhares de religiosos se juntaram a uma procissão na cidade de Ecaterimburgo que começou no local da mansão onde o czar foi baleado (foi posteriormente destruído) e foi até o poço de uma mina onde os restos mortais da família foram jogados e dissolvidos com ácido sulfúrico.

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