Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 11 de novembro de 2024
O retorno de Donald Trump à Casa Branca consolida uma tendência de transformação na política dos Estados Unidos que começou com o fim da Guerra Fria e cria uma nova lógica partidária. A América que saiu das urnas nesta semana indica que o Partido Republicano, remodelado por Trump à sua imagem e semelhança, sedimentou a conquista do eleitorado mais pobre e sem formação universitária. Com isso, após uma hegemonia democrata de quase 90 anos, a direita é agora a voz da classe trabalhadora.
A razão para essa mudança, segundo analistas e eleitores desiludidos com o Partido Democrata, é uma combinação de ansiedade econômica com a construção de uma identidade social conservadora entre os mais pobres. Essa mistura criou um caldo de cultura onde a identidade e o sentido de pertencimento a um grupo político, impulsionados pelo apelo carismático de seu líder, pesam mais que as políticas públicas oferecidas por cada partido.
O senador Bernie Sanders, derrotado nas primárias de 2016 e 2020, e estrela da ala mais à esquerda do Partido Democrata acusou a elite da legenda de se afastar da classe trabalhadora. “Não deveria ser nenhuma surpresa que um Partido Democrata que abandonou a classe trabalhadora descubra que a classe trabalhadora os abandonou. Enquanto a liderança do partido defende que as coisas continuem como estão, as pessoas queriam mudança”, disse Sanders.
Khalil Thompson é diretor da ONG Win With Black Men, ligada aos democratas, e trabalhou na eleição para mobilizar eleitores para o partido em Detroit, no Estado de Michigan. Ele diz que a ansiedade econômica do pós-pandemia bateu forte nesse segmento demográfico. “No fim do dia, todo mundo quer as mesmas coisas: um emprego legal, uma casa, um carro, mandar os filhos para a faculdade e, quem sabe, no fim de semana sobrar um dinheiro para algum divertimento.”
Mas não é o que está acontecendo nos EUA. Segundo uma pesquisa de boca de urna divulgada pelo Washington Post no dia 5, 68% dos eleitores acreditam que a economia está ruim. Isso deu combustível para Trump agregar mais gente ao seu projeto político.
Além de obter a maioria dos votos dos mais pobres, a ascensão de Trump entre os trabalhadores fica mais clara quando a escolaridade entra na equação. O presidente eleito saiu de 48% dos votos dos americanos sem diploma em 2016, para 50% em 2020 e 56% agora.
A transformação do trumpismo na voz da América inculta coroa uma tendência de transformações profundas nas bases eleitorais de republicanos e democratas. E isso não é inédito na história. No século 19, os democratas eram o partido agrária e da escravidão e os republicanos, o partido urbano e da abolição. A partir dos anos 60, isso se inverteu, graças a dois movimentos: de um lado, John F. Kennedy e Lyndon Johnson abraçaram o movimento pelos direitos civis, e do outro, Richard Nixon capturou os eleitores brancos do Sul dos Estados Unidos.
Mas a mudança mais duradoura e mais transformadora das bases eleitorais partidárias nos Estados Unidos foi conduzida por Roosevelt, que criou a chamada “coalizão do New Deal”, com sua primeira eleição, em 1932.
A Revolução Conservadora de Nixon e Reagan, a partir dos anos 70, no entanto, atrai parte da classe média e os brancos do Sul dos EUA ao Partido Republicano.
Quando os democratas retomam o poder com Bill Clinton, nos anos 90, eles migram ao centro e tomam emprestado parte do discurso de Reagan, de liberalização do comércio e desregulamentação da economia. Com a globalização e a automação tecnológica provocada pela terceira revolução industrial, a perda de empregos provocada pela desindustrialização em curso desde os anos 70 se agrava, e a população com baixa escolaridade se vê numa encruzilhada econômica, com seu padrão de vida caindo cada vez mais.
Colapso
O professor de ciência política da Universidade da Pensilvânia William Marble diz que é a partir de 2000 que os brancos sem diploma começam a abandonar o Partido Democrata numa velocidade maior. “O Partido Democrata tradicionalmente era o partido da classe trabalhadora e os republicanos, o partido dos empresários e das classes mais ricas.”
“O fato de os eleitores brancos da classe trabalhadora não darem muita importância a questões não econômicas no passado prejudicou a capacidade dos republicanos de capitalizar seus votos com temas ligados aos costumes”, acrescenta. “Da mesma forma, as questões econômicas mais à direita que impediam que os democratas convertessem muitos brancos com formação universitária, apesar de seu alinhamento com as questões culturais. Ambas as condições mudaram nos últimos anos.”
Durante sua presidência, Joe Biden tentou reconectar o partido com a classe trabalhadora por meio de uma série de projetos aprovados para trazer de volta empregos a áreas industriais defasadas dos EUA. Segundo a Casa Branca, iniciativas do governo federal trouxeram US$ 910 bilhões em investimento industrial para o país, com a criação de 700 mil vagas.
O avanço é significativo, mas veio tarde e em volume inferior ao necessário. Em apenas um mês, a economia americana gera 1,4 milhão de empregos. Ou seja. O dobro do que Biden conseguiu em quatro anos para os operários com baixa escolaridade que antes apoiavam o seu partido.
No Ar: Pampa Na Tarde