Sábado, 23 de Novembro de 2024

Home Saúde Uma em cada dez brasileiras tem endometriose; e o diagnóstico é um desafio

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Estava tudo planejado. O casamento marcado para o dia em que Fabiana Cayres e seu noivo comemorariam um ano de namoro, em 21 de agosto de 2012. Em seguida, o casal passaria um mês em Paris – e havia a ideia de começar a tentar engravidar ainda na lua de mel. Faltando três semanas, Fabiana estava no trabalho quando teve uma cólica muito intensa.

Ela estava acostumada a sentir dor no período menstrual, mas naquele dia foi tanta que desmaiou. Levada às pressas a um hospital, recebeu, finalmente, um diagnóstico: endometriose profunda, já instalada no intestino, bexiga, apêndice, ureteres, ovários e útero.

“Como acontece com a grande maioria das mulheres, meu diagnóstico foi tardio e precisei me submeter a uma cirurgia de grande porte, que incluiu a retirada de parte do intestino e da bexiga”, diz Fabiana, que, por causa da doença, virou influenciadora digital. “A urgência da cirurgia ameaçava meus sonhos. Não apenas de casar, mas também de gestar filhos.”

A história de Fabiana não é incomum. A banalização da dor feminina é considerada o maior empecilho ao diagnóstico da endometriose. Mesmo com cólicas lancinantes, as mulheres – e também os homens – tendem a achar que é normal sentir dor no período menstrual e que qualquer queixa é fraqueza, exagero ou “frescura”. Pela primeira vez, foi celebrado na segunda-feira, dia 13, o Dia Nacional de Luta Contra a Endometriose, para debater o tema.

Até médicos normalizam o problema. “É assim mesmo”, muitos dizem. “Quando você tiver bebê, melhora.” Resultado: um diagnóstico tecnicamente não muito complicado leva de sete a dez anos para ser feito. E a doença está longe de ser rara: atinge 10% das mulheres em idade reprodutiva – taxa similar à da diabete, por exemplo. Estima-se que pelo menos 8 milhões de mulheres sofram no País por causa da doença e boa parte delas desconhece o problema.

“Há uma normalização da dor. Muitas mulheres têm cólicas incapacitantes e dores pélvicas e acham que isso é normal, que a mãe também tinha, que a avó tinha, que a irmã tem. E, em geral, a sociedade também considera normal, mesmo alguns colegas médicos”, diz o especialista Patrick Bellelis, colaborador do setor de endometriose do Hospital das Clínicas da USP e membro da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia.

“O primeiro passo, e também o mais importante, para ter um diagnóstico mais precoce e mais preciso é fazer a população enxergar que sentir dor não é normal. Se compromete suas atividades diárias, sua produtividade, seu relacionamento, não é normal. Sentir dor no ato sexual não é normal. Dores pélvicas também não são normais”, alerta.

Segundo a Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE), 57% das pacientes com a doença sofrem com dores crônicas e, em 30% dos casos, ocorre infertilidade. No ano passado, o problema também ganhou evidência após a cantora Anitta relatar que iria passar por cirurgia.

Doença

O endométrio é uma mucosa que reveste a parede interna do útero. Essa película é sensível às alterações do ciclo menstrual, e recobre a região onde o óvulo se implanta depois de fertilizado. Se não houver fecundação, boa parte do endométrio é eliminado durante a menstruação. O restante volta a crescer e o processo se repete a cada novo ciclo.

A endometriose é uma alteração no funcionamento normal das células do endométrio que, em vez de serem expelidas na menstruação, migram no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal, onde voltam a se multiplicar e sangrar.

As causas ainda não estão bem estabelecidas. Uma hipótese é que parte do sangue reflua através das trompas durante a menstruação e se deposite em outros órgãos. Além disso, seria necessária alguma predisposição genética relacionada a deficiências no sistema imunológico.

“Há várias formas de tratamento, mas, basicamente, podemos dizer que existem tratamentos clínicos, com hormônios e medicações analgésicas e anti-inflamatórias, e cirúrgicos, em que os focos são retirados”, diz o ginecologista Maurício Abrão, da Faculdade de Medicina da USP.

O diagnóstico, segundo ele, está cada vez menos complicado, sobretudo nos últimos anos, após surgirem exames de ultrassom e ressonância magnética específicos para apontar a endometriose. O ultrassom transvaginal normal não detecta o problema.

“A dificuldade (do diagnóstico) é mundial. Inicialmente porque não havia exame específico, mas agora já temos ultrassom especializado, mapeamento, ressonância pélvica”, diz a presidente da SBE, Helizabet Salomão Ayroza. “Mesmo assim, há esse atraso no mundo todo justamente porque o principal sintoma é a cólica menstrual, que é subvalorizada.” Além disso, lembra, culturalmente as mulheres tendem a fazer muitas coisas ao mesmo tempo, se colocar em segundo plano, e priorizar os demais.

“Um dos maiores problemas, que temos combatido firmemente, é o fenômeno do gaslighting médico, quando profissionais do sexo masculino e feminino menosprezam sintomas narrados pela paciente, têm dificuldade de ouvir, de valorizar”, afirma Abrão, da USP. “Temos feito campanhas e treinamento de pessoal para falar sobre a doença e ensinar o diagnóstico.”

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