Segunda-feira, 25 de Novembro de 2024

Home Colunistas Uma nova derrota para a delação premiada

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É inegável o fato de que os grandes esquemas de corrupção em contextos internacionais e nacional foram descobertos, em sua inteireza, a partir da colaboração de agentes denominados, na Itália da década de 1970, de “arrependidos”, sendo o mais famoso deles, o Tommaso Buscetta.

A título de registro histórico, até a colaboração do famoso italiano arrependido, preso no Rio de Janeiro, pouco se sabia a respeito do interior da Máfia Italiana, apontada, muitas vezes, como uma espécie de mito, de história cultural contada de pais para filhos, em uma verdadeira romantização do crime.

Todavia, os passos iniciais dados pelo ordenamento jurídico italiano, mais precisamente no bojo do “MaxiProcesso”, resultaram em inúmeros mafiosos sentados nos bancos dos réus, posteriormente condenados e presos pela primeira vez, cenário muito similar ao ocorrido com os ricos criminosos brasileiros, tanto no Mensalão, quanto na Lava Jato.

É bem verdade que, após um período de respiro momentâneo, com a esperança de uma nova mentalidade anticorrupção no Brasil, a situação retrocedeu, pouco se ouvindo falar atualmente em grandes operações destinadas a combater a corrupção. Justiça seja feita, alguns GAECO’s, entre os quais se destaca o GAECO da Paraíba, ainda têm sido responsáveis por manter viva a esperança de que fazer o certo deve ser um valor supremo e, para aqueles que descumprem tal compromisso social, a punição deverá ser a regra.

Ao contrário do que se tentar passar publicamente, com histórias fantasiosas, dignas dos grandes roteiros de Hollywood, a corrupção sistêmica foi combatida com base na lei e no respeito aos valores caros a uma Constituição Democrática como a brasileira, preservando-se o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Na verdade, os mesmos autores dos contos ficcionais, a respeito principalmente do que teria acontecido na Lava Jato, replicam a velha tática de alegação de perseguição política ou de descredibilização dos agentes da Lei.

Agora, sob a falsa alegação de isonomia, tentam trazer à tona novas regras para a colaboração premiada, como se não houvessem outras preocupações mais importantes a nível nacional.

Ora, isonomia é tratar desigualmente os desiguais nas exatas medidas de suas desigualdades, de forma a garantir a promoção efetiva de direitos, o que não é o caso.

Pelo contrário, desvalorizar a palavra de alguém que esteja cumprindo pena ou esteja preso provisoriamente é dar um claro sinal de tratamento discriminatório, caminhando de forma contrária à dignidade humana, às regras de Bangkok e às decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal, reafirmando, categoricamente que os presos são sujeitos de direitos e devem ter a sua dignidade respeitada e garantida pelas instâncias estatais.

Um bom exemplo em aplicar a colaboração de um preso foi fundamental para o desfecho do conhecido caso Marielle Franco, com julgamento dos réus iniciado pelo Supremo Tribunal Federal. Sem a contribuição narrada, detalhando as circunstâncias do crime, provavelmente a impunidade prevaleceria mais uma vez.

Provavelmente, em uma tentativa de blindar de vez agentes corruptos, a palavra de um colaborador preso passa a ter menos valor do que a de um colaborador solto. Como se ambos não tivessem a obrigação formal de comprovar aquilo que, por eles, fora alegado, podendo, inclusive, quando do falseamento das informações trazidas, terem contra si não apenas a rescisão do acordo, como também a responsabilização criminal pela prática de imputação falsa de crime a outrem, gerando a instalação de processo criminal, de investigação criminal ou até ato de improbidade administrativa.

De forma objetiva, não há qualquer necessidade de alteração do modelo atual de colaboração premiada, tendo em vista que as previsões atuais já delimitam a forma que deve ser seguida nos acordos. Portanto, as alegações favoráveis às alterações pautam-se em oportunismo ou mero desconhecimento técnico do modo de funcionamento do instrumento colaboração.

Ademais, trata-se de um flagrante retrocesso social, vedado pelo Supremo Tribunal Federal em farta jurisprudência sobre o tema, indo também contra previsões internacionais, em um flagrante desrespeito às obrigações processuais penais positivas, termo cunhado por Douglas Fischer ao apontar que o processo penal não deve se pautar unicamente na proteção dos direitos do réu, acrescendo-se a essa base a necessidade de um olhar para a garantia de atuação contrária à impunidade, pois impunidade não é justiça.

Portanto, como sugestão aos defensores das alterações no instrumento da colaboração premiada, fica a leitura da Lei 12.850/2013, precisamente em seus artigos 3º-A ao 7º, que traz a compreensão de não haver absolutamente nada a ser alterado, mas, sim, reforçado e aperfeiçoado, conforme a sua base normativa.

A colaboração premiada não é um instrumento qualquer, a ser alterado conforme o alvedrio dos legisladores, mas, sim, um meio de obtenção de prova fundamental ao desmantelamento de organizações criminosas, sejam elas direcionadas ao tráfico de drogas, sejam elas formadas por cartéis de empresários, sejam elas formadas por maus agentes políticos que visam garantir o poder.

Assim, seria impossível a população conhecer os desmandos que aconteceram na Administração Pública sem a colaboração premiada, a qual permitiu lucidez à sociedade, libertando-a da condição de refém daqueles que se apresentam como defensores da moral, mas continuam com práticas impróprias e livres de qualquer punição.

(Hamilton Calazans Câmara Neto é mestre em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa e especialista em Direito Público pela Faculdade Escola Paulista de Direito)

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