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Por Redação Rádio Pampa | 27 de junho de 2022
Entre maio e junho, foram confirmados 2.103 casos de varíola dos macacos em 42 países diferentes. A doença, antes restrita a algumas regiões da África, está se espalhando de forma inesperada por Europa, Américas, Oriente Médio e Oceania, de acordo com as últimas informações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O surto, que ainda está em investigação pelas autoridades, chama a atenção por reunir três atributos que representam um risco de aprofundar estigmas e preconceitos — ou, vendo por outra ótica, uma “oportunidade” para corrigir e evitar erros que foram cometidos em outras crises sanitárias.
Além dos óbvios efeitos no sistema de saúde, epidemias e pandemias também causam transformações sociais — e a comunicação sobre elas pode levar a noções distorcidas que duram décadas. Isso prejudica até o controle de casos, hospitalizações e mortes relacionadas àquela condição.
A seguir, especialistas listam três erros cometidos em epidemias passadas que podem ser evitados agora, no surto de varíola dos macacos, e em outras crises futuras.
Xenofobia
Durante décadas, o sistema de classificação de novos vírus, variantes ou até mesmo de doenças levava em conta a localização em que eles eram detectados ou noticiados pela primeira vez.
Em 1918, a doença causadora de uma das pandemias mais mortais da história ficou conhecida como “gripe espanhola” — apesar de muito provavelmente o vírus ter surgido em campos militares dos Estados Unidos (ela só foi noticiada antes por jornais na Espanha).
“E até hoje nós nomeamos as novas cepas do vírus influenza, o causador da gripe, de acordo com a cidade em que elas foram detectadas”, acrescenta a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um sistema desses traz muitos problemas. O primeiro deles é que nem sempre o lugar onde um vírus, uma variante ou uma doença foram descritos em primeira mão são realmente o nascedouro daquele patógeno ou daquela condição.
A descoberta pode significar apenas que aquela cidade (ou aquele país) possuem um excelente sistema de vigilância, que detectou casos importados de outra região do planeta.
E, mesmo se o local tenha sido o “berço” do agente infeccioso ou da enfermidade, parece não fazer muito sentido usar o nome de um bairro, uma floresta, uma cidade ou um país para descrever aquele novo quadro.
Esse costume só cria um incentivo desnecessário à xenofobia — o nome adotado pode levar a interpretações errôneas, como se a culpa pelo problema fosse das pessoas que vivem no epicentro original do surto, da epidemia ou da pandemia.
Estigmatização
O surgimento de uma nova doença infecciosa sempre instiga a mesma pergunta: quem tem mais probabilidade de ser acometido?
Por um lado, definir os chamados “grupos de risco” é algo importante do ponto de vista da saúde pública.
“Em nenhuma doença o risco de adoecer ou morrer é homogêneo na população”, explica o epidemiologista Alexandre Grangeiro, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
“Portanto, ao determinar quem tem mais probabilidade de ser afetado, você direciona as políticas públicas de forma adequada e não aumenta as desigualdades.”
“Isso não apenas garante o cuidado aos pacientes no momento adequado, como ajuda a interromper a cadeia de transmissão do vírus”, completa.
O problema é quando essa definição dos grupos de risco acontece de forma precipitada, atabalhoada ou leva em conta apenas os primeiros casos.
E foi exatamente isso o que ocorreu (e ainda ocorre) em algumas das epidemias das últimas décadas.
Nos anos 1980, quando a aids virou um problema global, as primeiras informações divulgadas davam conta de que só homens que faziam sexo com outros homens estavam sob risco — à época, o termo “peste gay” era usado pejorativamente para falar da infecção pelo HIV.
Agora com a varíola dos macacos, existe uma probabilidade desse mesmo padrão se repetir. De acordo com um relatório publicado pela Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido, a vasta maioria de casos foi identificada em indivíduos que se consideram gays, bissexuais ou homens que fazem sexo com homens.
Mas, como as experiências passadas nos revelam, é um perigo fechar tão cedo assim grupos de risco tão genéricos e dizer que o restante da população pode relaxar.
“Toda doença nova traz ansiedade, insegurança e medo. E esses conceitos iniciais acabam sendo muito fortes e ficam marcados”, aponta Grangeiro.
“No próprio HIV, mesmo com décadas de trabalho, ainda vemos muito preconceito com a população homossexual e trans.”
Ameaças à natureza
Para fechar a lista, não dá pra ignorar o fato de que a escolha do nome e as informações divulgadas sobre a doença trazem perigo a alguns animais.
O Brasil teve um exemplo clássico disso entre 2016 e 2017, quando alguns Estados registraram um surto de febre amarela.
Nesse contexto, o grande problema era que o vírus, transmitido por alguns mosquitos silvestres, afeta seres humanos e macacos, como os bugios.
“E nós tivemos registros lamentáveis de episódios de agressão e mortes violentas de alguns primatas nesse período”, lembra a médica veterinária Paula Rodrigues de Almeida, professora da Universidade Feevale.
Isso aconteceu porque algumas pessoas interpretaram que os macacos eram os culpados ou até transmitiam o vírus — quando na verdade eles eram vítimas como os seres humanos.
No caso da varíola dos macacos — como o próprio nome adianta, aliás — se repete esse risco aos animais por causa de uma interpretação equivocada dos fatos.
“E, mais uma vez, os macacos são vítimas dessa história. Eles são infectados, mas os reservatórios desses vírus na natureza são alguns roedores”, esclarece Paula.
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